Walter Salles. O milionário que faz do cinema poesia

É um dos mais ricos do Brasil, adora futebol e corridas de automóveis. Não quer nada com as empresas da família, apenas os filmes lhe preenchem os dias e o imaginário. Deu o primeiro Oscar ao seu país.

Quando subiu ao palco do Dolby Theatre, em Los Angeles (EUA), para receber o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por “Ainda Estou Aqui”, Walter Salles abraçou a atriz Penélope Cruz, que anunciou o vencedor, estendeu a mão direita rumo ao bolso interior esquerdo do elegante blazer preto, tirou de lá uns finos óculos que colocou pendurados na ponta do nariz, foi depois a outro bolso, o exterior direito, e de lá regressou sem nada, apenas ar. Esquecera-se do papel com o discurso de agradecimento em caso de vitória, revelou horas mais tarde, divertido. No entanto, deu bem a volta à situação. Num inglês sem mácula e sempre de sorriso tímido em lábios finos, agradeceu “em nome do cinema brasileiro”, disse-se “muito honrado”, dedicou o galardão a Eunice Paiva, a mulher que faz a história de “Ainda Estou Aqui”, e às duas atrizes “extraordinárias que lhe deram vida” na tela, Fernanda Torres e Fernanda Montenegro. “Se tivesse lido o original, teria apelado ao fim das ditaduras”, revelou.

Foi a segunda vez de Walter Salles numa cerimónia dos Oscars. Da primeira, em 1999, com “Central do Brasil”, também nomeado para Melhor Filme Estrangeiro, veio de mãos a abanar, perdendo para “A Vida é Bela”, do italiano Roberto Benigni. Estavam-lhe, no entanto, abertas as portas do cinema internacional, rodando na década seguinte sucessos como “Abril Despedaçado”, “Diários de Motocicleta” ou “Água Negra”. Mas foi necessário regressar ao Brasil, ao seu Brasil, para voltar a ter sucesso e a resgatar parte da memória política, histórica e afetiva do país. Ele que, apesar da fortuna imensa, sempre se posicionou do lado dos mais oprimidos da sociedade. Como quando em dezembro passado assinou uma carta coletiva que juntou meia centena de realizadores contra a intervenção de Israel na Faixa de Gaza.

Dono da décima fortuna do Brasil, avaliada pela revista “Forbes” em quatro biliões de euros, é filho do diplomata, político e banqueiro Walther Moreira Salles (1912-2001), fundador do Unibanco, durante décadas o maior banco brasileiro, que em 2010 se fundiu com o Itaú e assim formou a maior holding do setor financeiro em toda a América Latina. Devido ao percurso itinerante do pai, viveu parte da infância em capitais como Washington (EUA) e Paris (França). Mais tarde, tirou o mestrado em Comunicação Audiovisual na Califórnia (EUA), depois da licenciatura em Economia completada no Rio de Janeiro.

Dois dos irmãos, Fernando e Pedro, também constam do top-10 dos milionários e outro irmão, João, está em 11.º lugar da lista. Ainda segundo a “Forbes”, é o terceiro realizador mais rico do Mundo, apenas atrás dos norte-americanos Steven Spielberg e George Lucas. No entanto, a vida empresarial nunca o atraiu. “Estou muito mais interessado em viver experiências específicas em filmes”, disse em tempos. Sobretudo ligadas ao Brasil, porque “um realizador nunca se pode afastar das suas raízes”. No fundo, segue o lema do pai em relação aos filhos: “Ganhei dinheiro para que eles tenham a possibilidade de fazerem o que quiserem”.

Casado há 20 anos com a artista plástica Maria Klabin e pai de um filho, Vicente, e de uma filha, Helena, Walter Salles faz da discrição palavra de ordem quanto à vida privada. No entanto, não esconde a enorme paixão pelo Botafogo, clube do Rio de Janeiro de que é confesso adepto e cujo centro de treinos ajudou a financiar. Juntamente com a família, emprestou ao emblema o equivalente a nove milhões de euros para que a obra seguisse em frente. O dinheiro não foi devolvido e o caso chegou à Justiça, com Salles a perdoar cerca de metade da dívida.

Além do futebol, as corridas de automóveis são outra das grandes paixões. Chegou mesmo a ponderar seguir carreira nas pistas, o que acabou por não acontecer quando o cinema começou a falar mais alto. Mas chegou a participar num campeonato de GT3, fazendo dupla com o piloto Ricardo Rosset. “Sou um pouco como um turista acidental, que vem e faz algumas corridas. É uma relação amorosa que tento reencontrar de vez em quando”, definiu ao portal “Globo Esporte”. Afinal, o cinema falou sempre mais alto.

Cargo: Realizador de cinema

Nascimento: 12/04/56 (68 anos)

Nacionalidade: Brasileira (Rio de Janeiro)