
Esteve a um passo de abandonar a carreira e andou de porta em porta a apresentar peças de ourivesaria. Fez pela seleção de Portugal o que nunca ninguém tinha feito. Quer chegar muito mais além.
Dias antes do início do recente Mundial de andebol, que decorreu de 14 de janeiro a 2 fevereiro dividido por três países – Croácia, Dinamarca e Noruega –, Paulo Jorge Pereira era um selecionador sereno e pronto para resultados em grande. “Vamos fazer de tudo para orgulhar Portugal”, prometeu. No derradeiro dia de competição, minutos após a derrota por um golo frente à França (34-35) que impediu a conquista da medalha de bronze, afirmava ser “duro e estranho ficar triste com um quarto lugar de um Campeonato do Mundo”, naquela que foi a melhor prestação de sempre do andebol nacional.
Eram as palavras sentidas de quem está habituado a quebrar barreiras. Desde que assumiu a seleção, em 2016, substituindo Rolando Freitas, fez um inédito sexto lugar no Euro 2020, foi ao “main round” do Mundial do ano seguinte, apurou pela primeira vez Portugal para uns Jogos Olímpicos, os de Tóquio 2020, que se disputaram em 2021 devido à pandemia. “Isto não tem a ver só com o treinador, tem a ver com tudo”, assumia, generoso, em entrevista concedida ao “Expresso” no ano passado. A mesma em que disse que antes dele os jogadores iam à seleção por “frete” e que foi necessário alterar mentalidades. “Se não acabarmos a nossa história é como se não tivéssemos história nenhuma”, incutiu nos jogadores e staff.
A postura não surpreendeu Tiago Rocha, que reencontrou Paulo Jorge Pereira na seleção depois de terem trabalhado juntos no F. C. Porto. “É muito competitivo e faz acreditar a quem está à sua volta de que tudo é possível”, diz à NM o atual jogador dos franceses Tremblay HB. “Confia muito no grupo e o seu aspeto motivacional é depois transportado para os jogos e transformado em bons resultados”, resume.
Uma característica que vem dos tempos de jogador, carreira feita em clubes de divisões secundárias como o Desportivo de Portugal, o Salgueiros, o Boavista, a Sanjoanense, o CPN ou o Leixões. Neste último, corria o início da década de 1990, cruzou-se no balneário com Rui Parada, que dele recorda alguém com “uma personalidade forte” e de ideias fixas.
“Era um bom lateral-esquerdo, mas, sobretudo, um companheiro sempre pronto a ajudar os colegas no que fosse necessário. Naquela altura, já dizia a toda a gente que queria ser treinador”, recorda.
Nascido em Padronelo, freguesia do concelho de Amarante, Paulo Jorge Pereira, a quem os amigos próximos chamam Paredão, veio para o Porto muito criança quando os pais assumiram a gestão do restaurante “Rei dos Galos de Amarante”, que ainda hoje impera na Rua das Taipas, gerido pelo seu único irmão.
Ajudou a servir às mesas enquanto dava os primeiros passos no andebol, no Desportivo de Portugal. Esteve a um passo de abandonar cedo a carreira. “Não me sentia confortável com aquela coisa de a malta tomar banho toda junta. Durante dois meses não fui. Depois adorei, até hoje”, contou na mesma entrevista ao “Expresso”.
Conciliou o andebol com os estudos e entrou na então Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física (FCDEF) da Universidade do Porto, onde concluiu a licenciatura em dois períodos de tempo, com o serviço militar de um ano e meio cumprido em Mafra e em Espinho a cortar-lhe o ritmo do curso. A tese final foi sobre a “Organização de ataque da Suécia”. Finalizou depois um mestrado com um trabalho sobre “Controlo de treino no andebol”. Simultaneamente, ia vendendo peças de ourivesaria de porta em porta, negócio que começou aquando do primeiro casamento. Após o divórcio, conheceu a atual mulher, uma cidadã espanhola. São pais de dois filhos, Rodrigo e André, este jogador profissional de andebol no CB Cisne, da cidade galega de Pontevedra.
Abandonadas entretanto as vendas, foi-se dedicando em exclusivo ao andebol. Chegou a treinador principal do F. C. Porto, onde foi bicampeão nacional, passou depois por destinos tão diversos como Espanha, Angola ou Tunísia. Até receber o convite para assumir a seleção portuguesa. O resto foi escrevendo a páginas de ouro o homem que gosta de ler livros sobre gestão de pessoas. “Para conhecer melhor os seres humanos”, diz.
Cargo: Selecionador nacional de andebol e treinador do RK Celje (Eslovénia)
Nascimento: 21/03/1965 (59 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Amarante)