O meu filho vai ser operado. E agora?

Como explicar, o que dizer e o que não dizer, o que esperar. Uma intervenção cirúrgica, ainda que simples, induz necessariamente um certo grau de ansiedade. Mas há estratégias que podem ajudar a lidar melhor com todo o processo. E os hospitais parecem cada vez mais despertos para a questão.

Dora Faustino está mais do que habituada a ouvir os anseios e angústias de pais que se preparam para ver filhos submetidos a intervenções cirúrgicas. “É muito comum dizerem-nos, na consulta de pré-operatório, que estão a fazer muitas perguntas porque estão muito nervosos”, partilha a enfermeira, que trabalha há 26 anos no Hospital Dona Estefânia, em Lisboa (ULS São José), e há três na cirurgia de ambulatório desta unidade hospitalar. Caldas Afonso, diretor do Centro Materno-Infantil do Norte (CMIN), no Porto, constata o mesmo. “Qualquer um de nós sente alguma ansiedade numa situação destas.” Mesmo que em causa esteja uma simples cirurgia otorrinolaringológica, a mais comum entre os miúdos. Cláudia Martins, psicóloga da infância e da adolescência que trabalha no Centro Hospitalar Universitário de São João, no Porto, acha a ansiedade não só legítima, como normal. “Uma cirurgia é um evento que não faz parte do nosso dia a dia e um fator indutor de stresse. Há sempre um grau de ameaça envolvido, por mais simples que seja a intervenção.”

Sandra, de 43 anos, conhece a sensação. Ambos os filhos passaram pelo bloco operatório. Maria, agora adolescente, foi operada às adenoides e às amígdalas aos cinco anos, Cristiano, o mais novo, teve de ser sujeito a uma intervenção cirúrgica para retirar dentes, primeiro com três anos, depois com quatro. Das três vezes, Sandra optou por ter com os filhos uma conversa prévia, no sentido de os preparar para o que iam encontrar. “À Maria disse que íamos ao hospital, que a mãe ia com ela, que ia ser uma coisa boa porque estava sempre doente. O Cristiano era mais pequeno. Disse-lhe só que ia adormecer no colo da mãe.” Mas, em ambos os casos, a chegada ao bloco teve o seu impacto. “Nenhum estava calmo, mas o Cristiano, quando começou a ver a bata que tinha de vestir e tanta gente à volta, ficou muito assustado.”

A mera perspetiva de um filho poder vir a ser operado suscita questões imediatas na cabeça dos pais: e agora, o que lhe vou dizer? Como vai ser com a anestesia? Como é que vai acordar? E se algo corre mal? Os próprios hospitais parecem cada vez mais preocupados em ajudar neste processo. No Dona Estefânia, além das consultas preparatórias com o cirurgião e o anestesista, e de uma linha telefónica disponível para responder a eventuais questões, estão previstas, antes da cirurgia, duas consultas de enfermagem (mais duas após a cirurgia), para dissipar dúvidas e receios. “Procuramos preparar os pais para o que vai acontecer, dar orientações sobre como lidar com a situação, explicar como será a recuperação, o que devem fazer na preparação”, diz Dora Faustino.

Caso a criança esteja presente, e já tenha capacidade de compreender o que lhe é dito, há inclusive o cuidado de a preparar também. Com verdade, sempre, mas sem dramatismos. “Apresentamos a equipa, mostramos alguns objetos que estão dentro do bloco, descrevemos como vai ser o ambiente, dizemos que vamos a uma sala especial tratar o que não está bem, que lá vão estar médicos especiais, que lhes vão dar medicamentos fantásticos para os pôr a dormir um bocadinho, enquanto eles os tratam.” No caso dos mais pequenos, recorrem até a bonecos que replicam o ambiente de um bloco operatório. “A conversa tem em conta a idade e a capacidade de compreensão da criança, mas a ideia é sempre prepará-los para o que vai acontecer e para o que vão ver quando chegarem ao bloco.” Com duas premissas fundamentais: “Não queremos nem que a criança chegue assustadíssima, nem que venha desinformada.”

Diretamente para os pais, Dora Faustino deixa algumas orientações: “Devem dizer aos filhos o que se vai passar, porque o pior que pode acontecer é a criança achar que foi enganada. Devem explicar que em X dia vão ter de ir ao hospital tratar o que não está bem, sempre com tranquilidade, e evitando expressões como ‘cortar’ ou outras semelhantes. A ideia é sempre usar termos mais leves.”

Cláudia Martins, psicóloga, realça, a propósito, a importância da “profilaxia cirúrgica” para suscitar uma “boa adesão do paciente”. No fundo, uma preparação para “facilitar a adaptação à situação que se vai enfrentar” e evitar um eventual sofrimento psicológico e emocional a longo prazo. “E aí tanto os profissionais de saúde como os pais têm um papel fundamental.” Desde logo, sublinha a especialista, é importante perceber quais “as crenças e narrativas” dos pais. Ou seja, se a simples ideia de um hospital inspira medo, se há uma desconfiança, se já tiveram alguma experiência negativa. “E a partir daí desenvolver estratégias para lidar com isso.” A psicóloga admite que há ainda “muito por fazer nesta área”, mas reconhece que tem havido avanços importantes, como flyers e livros sobre estas temáticas.

Quanto à forma de abordar a questão, Cláudia começa por um princípio que lhe parece crucial. “Às vezes quer-se tanto proteger a criança que se pensa: ‘Não vou dizer já’. Mas as crianças têm uma capacidade muito maior do que imaginamos de lidar com as situações. Claro que nem todas vão reagir da mesma forma, e isso deve ser tido em conta, mas esconder nunca.” Deixa ainda algumas sugestões mais práticas. “Nas crianças mais pequenas, teatralizar o que vai acontecer pode ser uma boa opção, porque ajuda a criar uma imagem, a antecipar, a tranquilizar. Também pode ajudar levar um brinquedo ou um cobertor especial, ou, por exemplo, tirar uma foto à porta do hospital e partilhar com a família.” Para que a experiência seja percecionada pelos miúdos como algo leve, divertido até, e não como um fardo.

Ainda assim, alerta a psicóloga, quando se entra no bloco é comum haver “um choro, um grito, agarrar a mãe ou o pai” e é importante “validar” essas emoções. “Dizer algo como: ‘Percebo que estejas preocupado, mas estou aqui’.” No caso de crianças mais velhas, que têm uma “consciência mais real do Mundo”, deve apostar-se num “discurso mais concreto, eventualmente com recurso a livros ou a vídeos”. Isso e fomentar uma maior envolvência no processo. “Incentivá-los a colocar as questões que tenham, deixá-los à vontade para levar uma música para ouvir, um colar da sorte, o que seja.” E quanto ao que os pais não devem fazer? “Devem evitar promessas e respostas a propósito das quais não têm certezas.”

Caldas Afonso salienta o cuidado que tem havido no CMIN no sentido de humanizar e melhorar toda a experiência. “As crianças vão nos carrinhos até ao bloco [algo que já acontece em vários hospitais], vestem uma bata que é uma espécie de camisola do clube que gostam, põem uns óculos de realidade virtual antes de adormecer, o próprio bloco tem uma decoração adequada.” Tudo para “retirar carga emocional”. E o mesmo se aplica em relação aos pais. “Explicamos que é um procedimento simples [no caso das tais cirurgias de otorrinolaringologia], que as crianças não vão sentir desconforto, que vão ter experiência positiva. Uma das nossas preocupações é que o hospital não seja visto como local de sofrimento, mas sim um como um lugar onde se vai ajudar a resolver um problema.”

A propósito da ansiedade dos pais, Cláudia Martins acrescenta que é fundamental “cuidarmos de nós para podermos cuidar dos nossos filhos”. E encontrar formas de autorregulação. Vale a pena, no entanto, deixar um aviso, à boleia da experiência de Sandra, mãe de Maria e Cristiano: “Confesso que há duas sensações que não gostava de repetir: o momento em que tive de sair do bloco e os deixar lá e o momento em que acordam, porque ambos acordaram muito agitados”. Dora Faustino é pragmática: “Nós tentamos preparar os pais para isso, mas é difícil reduzir o desconforto que sentem nesses momentos a zero”.