
A queda dos estrogénios traz uma série de efeitos em cadeia que aumentam, e muito, o risco cardiovascular. Há mitos, desconhecimento e a prevenção é o caminho. Esta é a principal causa de morte no sexo feminino.
Há um mito antigo, que ainda se mantém, e que certamente lhe é familiar, de que as mulheres são menos afetadas por doenças cardiovasculares – como o enfarte agudo do miocárdio, o AVC ou a insuficiência cardíaca – do que os homens. Só que não passa disso mesmo, de um mito que se enraizou e que há que desconstruir, até porque esta é a principal causa de morte nas mulheres. Estima-se que uma em cada três mulheres morre por doenças cardiovasculares. E a menopausa tem um peso determinante nesta equação. O problema, como alerta a ginecologista e obstetra Sílvia Roque, é que “as mulheres, nesta fase, preocupam-se com os afrontamentos, com dormir mal, com queixas típicas da menopausa, e no resto há muito desconhecimento”.
Mas comecemos pelo princípio. O tal mito tem alguma razão de ser, porque o risco de desenvolver doenças cardiovasculares surge mais tarde na mulher do que no homem, já que, como explica Sílvia Monteiro, cardiologista e membro da direção da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, “até à menopausa a mulher está protegida pelos estrogénios”, que têm um efeito protetor cardiovascular. Porém, com a menopausa, há uma queda acentuada dos estrogénios, o que aumenta bastante o risco, “daí que a doença cardiovascular se manifeste numa idade mais tardia na mulher”.
Mas o que explica isto? O que acontece na menopausa é que o ambiente hormonal da mulher muda e há uma série de efeitos em cadeia. “Dá-se uma elevação acentuada dos níveis de colesterol total, do colesterol mau, dos triglicerídeos, e a redução do colesterol bom, o que vai fazer progredir a doença cardiovascular”, enumera a cardiologista. A somar a isso, surge habitualmente o aumento do peso, que se verifica sobretudo com o aumento da gordura visceral a nível abdominal, e a hipertensão arterial. “Chegam-me muitas vezes à consulta mulheres na pós-menopausa, muito alarmadas, porque sempre tiveram a tensão muito baixa e de repente têm a tensão alta”, comenta Sílvia Monteiro. Já para não falar que a queda dos estrogénios também provoca alterações na própria parede dos vasos, “uma inflamação dos vasos”.
Depois, há um outro dado que merece atenção. “O risco cardiovascular na mulher não tem sido adequadamente valorizado pela comunidade médica, pela sociedade e pela própria mulher”, sublinha a cardiologista. Não tem só a ver com o mito já aqui falado, é mais do que isso, porque além dos fatores de risco clássicos (tabagismo, hipertensão, colesterol elevado, diabetes, obesidade), há fatores de risco específicos da mulher e que não são tidos em conta. Nomeadamente uma menopausa precoce, ter ovário poliquístico, ter tido diabetes gestacional na gravidez ou ter uma doença autoimune. “Por outro lado, há também fatores de risco psicológico, como depressão, ansiedade, que são mais prevalentes na mulher.” Como se não bastasse, em caso de enfarte, os sintomas na mulher “são mais atípicos”, “nem sempre se manifesta com uma dor no peito intensa, antes com desmaios, falta de ar”, por isso levam muito tempo a procurar cuidados de saúde (e o próprio diagnóstico é mais demorado).
Foquemo-nos, pois, na prevenção. A verdade é que, segundo a ginecologista Sílvia Roque, as mulheres tendem a não procurar ajuda nesta fase da vida, “principalmente quando não têm as queixas típicas, como os afrontamentos”. Sendo certo que as doenças cardiovasculares são silenciosas, muitas vezes não há sintomas, “e vão-se instalando”. Dito isto, o segredo está em olhar para o problema desde cedo. A especialista costuma dizer que tudo começa antes sequer de a menopausa chegar. “O estilo de vida tem muito impacto, se fuma, se bebe álcool, se é sedentária, se é obesa. E importa sensibilizar nas consultas de ginecologia para estilos de vida saudáveis ainda na perimenopausa”, refere. Prevenir a doença cardiovascular passa pelo exercício físico e pela alimentação, “nesta fase convém fazer uma alimentação anti-inflamatória” e poderá fazer sentido ir a uma consulta de nutrição (lá iremos). A par disso, a suplementação também assume um papel, “principalmente de antioxidantes, selénio, coenzima Q10, vitamina D, ómega 3, magnésio”.
A alimentação, a suplementação
Aliás, no que toca ao selénio e à coenzima Q10, um estudo sueco, publicado em 2013 na revista médica “International Journal of Cardiology”, concluiu que a suplementação com os dois nutrientes em conjunto tem um efeito protetor cardiovascular, com impacto na redução da mortalidade por doença cardiovascular em idosos. Sílvia Roque detalha: “Porque o selénio e a Q10 impedem o stress oxidativo que acontece nas paredes dos vasos, que aumenta com a idade e com a menopausa. Esse stress vai provocar arteriosclerose e se conseguirmos prevenir uma patologia cardíaca com a suplementação de antioxidantes, melhor.” Mas a ginecologista vai mais a fundo na questão. “Há mulheres na menopausa que chegam à minha consulta com queixas como ‘sinto-me cansada’, ‘não tenho energia para trabalhar’, ‘tenho dificuldade em dormir’ e só com suplementação já é possível melhorar a qualidade de vida.”
A tese é subscrita por Ana Carolina Soares, nutricionista, que aponta que na nossa alimentação “temos défices de selénio”, um mineral que tem um “potencial antioxidante e anti-inflamatório”, além de que “a partir dos 40 anos temos uma quebra na produção da coenzima Q10, que ajuda a produzir energia”. Da mesma maneira que “com a idade, não temos a mesma habilidade para produzir vitamina D, por muito que haja exposição solar”. Neste campo da suplementação, também a cardiologista Sílvia Monteiro tende a concordar. “Faz cada vez mais sentido, dada a qualidade da alimentação que fazemos hoje e sabendo que os solos estão esgotados e que não conseguimos ir buscar tudo aos alimentos.” Contudo, ressalva, é ainda mais importante, na menopausa, monitorizar a tensão arterial e os níveis de colesterol para iniciar medicação se necessário. “Tratar um colesterol alto é mais premente do que tratar os défices nutricionais, mas se uma mulher puder fazer tudo, é perfeito.”
Então e a alimentação? Também aí há que fazer ajustes, segundo a nutricionista Ana Carolina Soares, “porque em termos de dispêndio energético e de gasto calórico há alterações”. “Sendo uma fase com um quadro mais inflamatório, é preciso fazer uma alimentação anti-inflamatória. E importa perceber que a alteração hormonal que acontece vai causar o abrandamento do metabolismo. Não podemos comer o mesmo que comíamos há dez anos, porque o metabolismo está a outro ritmo e obviamente há aumento do peso.” Não é por acaso que o aumento da gordura abdominal é a queixa que mais leva as mulheres a procurar um nutricionista na menopausa. “E, claro, se tenho mais peso, mais gordura, obviamente tenho mais risco de doença cardiovascular. Controlar o peso é significativo.” O caminho é uma alimentação com menos gorduras saturadas, nomeadamente menos carnes vermelhas, com menos alimentos processados, evitar fritos, açúcares, sal e álcool.
No fundo, o envelhecimento e a menopausa aliados criam um caldeirão de riscos e a nutricionista chama a atenção, em particular, para os quadros de cansaço, que “tendemos a desvalorizar” e que por isso “se arrastam”.
Há, portanto, uma regra de ouro para a mulher estar preparada para todas estas mudanças. “Ir a uma consulta abordar o tema da menopausa”, avisa a ginecologista Sílvia Roque. “É preciso perceber se se sente bem, pedir análises, olhar globalmente para a mulher.” O objetivo é tentar atuar antes de uma doença se instalar. “Muitas vezes, conclui-se que nem é preciso fazer nada, é só vigilância e adotar estilos de vida de prevenção que, na verdade, devem começar desde jovem. Cada vez mais temos de fazer medicina preventiva.”