Lei dos solos: o que está em causa

Hernâni Dias, até há poucos dias secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, acabou por adensar a polémica relativa à lei dos solos. Demitiu-se a 28 de janeiro (Nuno Pinto Fernandes)

Entrou em vigor, na quarta-feira, o diploma que permite a reconversão de terrenos rústicos em urbanos, em nome da crise da habitação. Mas ainda há alterações na calha. E as críticas sucedem-se.

A proposta inicial
A 30 de dezembro, foi aprovado o decreto-lei 117/2024, que procede à sétima alteração ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT). Com a mudança, passa a ser permitida a reclassificação simplificada de terrenos rústicos em urbanos, por deliberação dos órgãos municipais, desde que destinados à construção de habitação.

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pontos do decreto-lei têm merecido particular contestação: por um lado, o conceito de “valor moderado” previsto no documento, que pode abrir caminho a um aumento generalizado de preços; por outro, o facto de a medida se aplicar também a áreas menos protegidas das reservas ecológica (REN) e agrícola nacionais (RAN). Daí que associações ambientalistas, especialistas da área e antigos responsáveis políticos se tenham insurgido contra a mudança. O próprio presidente da República, que promulgou o decreto, assumiu ter reservas.

“[O decreto-lei] constitui uma entorse significativa em matéria de (…) ordenamento e planeamento do território”
Marcelo Rebelo de Sousa, presidente da República

Parlamento mantém lei, discussão prossegue
Por tudo isto, os partidos à esquerda do PS pediram a cessação de vigência do decreto. No entanto, a intenção foi travada no Parlamento. O decreto será agora alterado em sede de comissão parlamentar, sendo que o Governo já demonstrou abertura para, entre outras mudanças, revogar o conceito de “valor moderado” e voltar ao “arrendamento acessível”, tal como pede o PS.

Caso Hernâni Dias
A polémica à volta da lei dos solos foi ainda reforçada pelo caso de Hernâni Dias. No final da semana passada, a edição online do JN avançou que o então secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território tinha criado, já depois de integrar o Governo, duas imobiliárias que poderiam beneficiar da nova lei. Num primeiro momento, o governante ainda disse estar de consciência tranquila, mas, na terça-feira (28), pediu a demissão.