Ignácio
Para mim, os escritores são amigos assustadores, tão feitos de gentileza quanto da capacidade de nos mostrar a morte, falar dela de frente, sem trégua, abusados e tristes, abusados e furiosos. Os escritores são sempre perigosos e não podem deixar de o ser, porque estão como bravos guerreiros do pensamento, levantados perante o que há para haver muito mais. Os escritores imaginam mais mundo e mais humanidade. Contra tudo, eles aumentam à medida do que nem sabemos necessitar.
Assim é Ignácio de Loyola Brandão, herói brasileiro que criou ferocidade contra ditaduras e maldades ainda sem nome. Mas, quanto mais feroz contra o grotesco dos regimes, Ignácio mais amansou seu coração, nutrindo generosidade e um amor lindo pelos outros.
Uma das maiores fortunas de minha vida foi seu abraço. A sensação de estar dentro de um abraço cheio de significado, sincero, que encurta oceanos de lonjura e nos torna bastante família. Ignácio podia ser uma espécie de pai para mim. Eu acredito que os escritores também nascem uns nos outros. Eu nasci muito no que li de Proust ou Tolstói, e nasci muito no que li de Ignácio, porque eu venho de “Zero” e de “Não verás país nenhum”. Sou um cidadão feito daquele grito e em minha ossatura deixei muita arma para que me mantenha de pé diante do mesmo grotesco que Ignácio combate.
Todas as cidadanias são impuras porque nos radicamos em tantos lugares, nossa persona é múltipla e feita até de fantasia. Minha impureza é meu império. Por isso, tenho, sim, origem também na obra de Ignácio e fico feliz de poder ser seu amigo, exactamente como alguém que se torna amigo de um presidente, de um nobre que mereça sua corte e seu castelo.
Foi há muito pouco tempo que voltei a ver o meu amigo e a dar-lhe um abraço. Não há como explicar o orgulho de ser tomado assim por um grande mestre que, além da grande obra, soube maturar como pessoa. Eu quero ser como ele. Ganhar idade a ser bom escritor e resultar num melhor homem ainda. Para que ao fim de tudo, nas contas feitas, se note que valeu a pena. Aprendi de verdade o essencial. Assim como Ignácio ensina.
As pessoas mais velhas que ainda são capazes de paixões, pela Márcia, por exemplo, mas também por livros e pelo seu país, pelos amigos e pelos muros ajardinados, pela luz do fim da tarde ou pela porcelana limpa, são as que me convencem da inteligência. Quero envelhecer apaixonado. Sem sucumbir ao azedo das batalhas e das perdas. Assim como Ignácio ensina.