Jorge Manuel Lopes

Eletrónica de alta densidade


Pandemia ultrapassada mas não esquecida, a cantautora, multi-instrumentista e produtora colombiana Gabriela Jimeno Caldas, aliás Ela Minus, tornou-se temporariamente nómada na feitura do segundo álbum, “Día” (Domino/Popstock), chegado cinco anos após a estreia com “Acts of rebellion”. A inspiração chegou-lhe em trânsito entre os dois extremos costeiros dos EUA (país para onde se mudou em 2009), a que se seguiram Cidade do México e Londres. Tudo parece ter ajudado num processo de rasgar caminhos, interiores e exteriores, investindo por caminhos estéticos/sónicos até agora inexplorados.

Ela Minus é adepta da música eletrónica com instrumentação palpável, sejam sintetizadores analógicos, sejam caixas de ritmos. O início de “Abrir monte”, também o início de “Día”, alinha acordes cinemáticos orquestrais para acompanhar uma paisagem retrofuturista vista em VHS, antes de introduzir uma pulsação que a traz, pé ante pé, para um tempo presente, ainda não dançável. Isso vem depois: “Broken” é synthpop polar mas com batida olímpica, lava e gelo incandescentes, características recorrentes no álbum. Nada de distanciamento emocional na entrega vocal de Ela, controlada mas catártica. “Broken” revela-se uma pequena mas brilhante pérola de canção noturna, um banho de euforia que se repete com igual brilhantismo em “Qqqq” – o suspense anunciando no refrão, que quando chega não mais desaparece, pede para ser escutado numa grande superfície dançante e quase às escuras. Noutros momentos, o álbum revela-se gótico, caso de “Idols”, e quase litúrgico-barroco na elevada densidade das camadas de som em “Idk”. A espaços, Ela Minus joga a carta do inglês como segunda língua (alguns temas são entoados em espanhol), uma característica que esculpe para tirar proveito estético. Pelo canto e pelo resto, não estranharia que tivesse em boa conta Björk, Robyn e Charli XCX, ou Nico e Anne Clark. “Combat”, a fechar, retoma, agora sob a forma de canção espessa de efeitos, os motivos fílmicos da faixa de abertura. Elasticidade criativa e bem focada de Ela Minus merece atenção presente e futura.