Margarida Rebelo Pinto

Da tolerância e dos intolerantes


Fui viajar, e uma das vantagens de ficar longe do burgo é assistir de camarote ao que nele se passa. A distância afasta-nos do olho do furacão.

Há muito que sinto Portugal a cair em dois abismos que se fundem num só: a tendência para a polémica e o apego passional ao monotema. Se alguém quiser ter uma visão alargada daquilo que se passa no país e no Mundo, a última coisa que deve fazer é assistir às notícias nos canais de televisão. Aí, terá uma meia dúzia de temas diários em todos os canais nacionais, sempre os mesmos, e uma multidão de comentadores em torno de cada tema. Os preferidos são os recorrentes, como a imigração, a construção do novo aeroporto, ou quem são os candidatos à Presidência da República. E lá estão os comentadores a dar as suas sentenças, criando uma distopia que a todos fragiliza: aquilo que se diz sobre uma determinada notícia torna-se mais importante do que a própria notícia.

Por outro lado, os temas servem para reforçar agendas políticas e criar um ambiente de constante tensão, no qual os seus agentes se digladiam verbalmente com a mesma paixão de dois opositores numa arena poeirenta de uma cidade romana de porte médio. Na Antiguidade, os lutadores eram obrigados a tal, enquanto na era atual as disputas são voluntárias, o que é fácil de perceber, porque ninguém se esvai em sangue quando a arma é a palavra e ainda dá para ganhar uns trocos ao fim do mês. Os escravizados são aqueles que ouvem e que se deixam levar pela opinião deste ou daquele comentador, contribuindo ainda mais para a polarização e para a profundidade do fosso ideológico. A defesa incondicional dos imigrantes tornou-se bandeira da Esquerda mais à esquerda, a segurança da população e o controlo da imigração são os argumentos-chave da Direita mais à direita. Propositadamente não usei o adjetivo radical para nenhuma destas forças políticas, porque considero que talvez fosse, passe o pleonasmo, radical da minha parte. Estarei já a ser contaminada pelo receio de chamar os bois pelos nomes, ou apenas sinto a obrigação do exercício de contenção da linguagem no espaço público?

A filósofa espanhola Adela Cortina sintetiza a questão da intolerância de forma clara: todas as pessoas merecem respeito, mas nem todas as opiniões merecem respeito, esse, tem de ser merecido. Não podemos tolerar as opiniões que não são respeitáveis. Ou seja, uma coisa é a tolerância, outra é tolerar os intolerantes.

Então, como agir perante os intolerantes que, fechando o seu discurso em amarras ideológicas, acreditam, ou querem fazer acreditar os outros, que estão a praticar a tolerância? Portugal precisa urgentemente de banhos de lucidez, a comunicação social deveria ajudar à divulgação de mais notícias e de menos opiniões. Doutra forma, estaremos condenados ao diz-que-diz, agrilhoados a uma realidade enviesada por opiniões que ultrapassam os factos e frequentemente os distorcem. Um pouco menos de pesporrência e um pouco mais de bom senso não fariam mal a ninguém. Infelizmente, o bom senso é um bem escasso. Citando os vizinhos conterrâneos de Adela Cortina, “el sentido común es el menos común de los sentidos”.