Como evitar confrontos com quem acredita em teorias da conspiração

Não é um problema de saúde mental, mas pode ser indício de falta de bem-estar psicológico, num Mundo que se debate com crises sucessivas e uma sociedade que carece de equilíbrio. E dissemina-se facilmente, na era do digital, sugando os mais vulneráveis para bolhas de realidades alternativas.

Criam teorias que vão contra o conhecimento e factos científicos, condenando o uso de vacinas, propalando vírus criados em laboratório, aludindo a trama de governos e experiências secretas. Porque há quem embarque em teorias da conspiração, como podemos lidar com estes “conspiradores”, sobretudo quando fazem parte do nosso círculo próximo de família e amigos? E o que diz isto de nós enquanto sociedade?
Em comum, as teorias da conspiração têm o facto de serem explicações simples para problemas complexos e de identificarem um inimigo. E é fácil que algumas pessoas mais suscetíveis e vulneráveis, que estejam revoltadas ou em sofrimento, adiram.

“As explicações simples são mais facilmente compreendidas pelas pessoas. Quando temos problemas, andamos à procura de explicações e, se nos venderem uma que é simples e definitiva, é mais fácil compreendermos e dá-nos uma sensação de segurança. Identifica-se um inimigo e, alguém que esteja em maior sofrimento, mais facilmente vai acreditar numa teoria que ajuda a lidar com esse sofrimento”, explica Miguel Ricou, professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

As pessoas mais vulneráveis a este tipo de teorias são aquelas que estão “mais alienadas da sociedade, que não estão bem adaptadas àquilo que é a realidade, ou pessoas que estão em revolta, porque sentem que não conseguem singrar na sociedade e estão mais vulneráveis para acreditar em algo que lhes traga a identificação do inimigo”.

Estas teorias dão, sobretudo a quem tem “menor capacidade de regulação e a quem tem um fundo de insegurança grande”, a ideia de conseguirem saber coisas que os outros não sabem, o que as faz “sentirem-se mais especiais e terem um acréscimo de autoestima”. Sentem-se “contentes” por explicarem aos outros aquilo que consideram ser a “realidade” e por estarem fora do “rebanho” das pessoas que rumam no mesmo sentido.

Todos temos fases na vida em que estamos em sofrimento e revoltados, acrescenta o docente da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, pelo que não é de estranhar que em algum momento da vida estejamos “mais vulneráveis e propensos a embarcar neste tipo de teorias”.

Do isolamento à quebra de laços

Não quer dizer que estas pessoas tenham uma doença mental ou psicopatologia, mas antes que “podem ter o seu bem-estar psicológico afetado por terem dificuldades de regulação emocional, estarem muito agitadas, reservadas, ansiosas”. As pessoas que estão bem, reforça Ricou, “não têm necessidade de acreditar em coisas que normalmente são contra alguém, não têm necessidade de encontrar um inimigo, de encontrar uma solução mágica, fantástica que os outros não conhecem”.

Segundo o sociólogo Joel Felizes, docente da Universidade do Minho, parece que caminhamos para um modelo de sociedade com “traços de um certo individualismo, sinais de um maior isolamento das pessoas, quebra de alguns laços sociais e, aparentemente, para um aumento dos fenómenos de ansiedade e dificuldade de integração de algumas pessoas”.

A este contexto ainda se pode adicionar outro aspeto, que é a “grande dependência que as pessoas têm em relação ao digital e às partilhas nas redes sociais”. As pessoas são encaminhadas para “conteúdos de tipo cada vez mais extremista, com grande desligamento em relação aos factos conhecidos, às evidências científicas”, e são, assim, “sugadas por essa espécie de universo paralelo”. Muitas vezes, “a situação deriva de uma baixa autoestima, grande ansiedade, que provoca condições para que algumas pessoas se inclinem para um universo paralelo no qual acreditam, para uma certa fuga à realidade”. E é difícil trazer essas pessoas “de volta para uma vida social mais normal, mais dialogante com os familiares e amigos”.

As teorias da conspiração, sublinha agora Ricou, não são de hoje, mas no passado não se difundiam com tanta facilidade e rapidez. Há redes sociais que alimentam este tipo de teorias e ajudam a alienar as pessoas da realidade. Há uma “tendência de crescimento, por causa das redes sociais, que são formas de criar bolhas”. Além disso, este tipo de teorias também cresce “quando há crises, pois nessas alturas há mais revolta e mal-estar”.

Também Felizes destaca uma “tendência para um agravamento”, não necessariamente das teorias da conspiração, mas de “problemas associados a um clima de extremismo que está a circular com mais insistência por todo o Mundo”. A insatisfação das pessoas, sentimentos de grande perda e frustração, numa altura em que o Mundo está a braços com várias crises relacionadas com pandemias, guerras, inflação, migrações, entre outros problemas, podem ser um ponto de partida para o desenvolvimento destas teorias. “É preciso ter uma estrutura resiliente para conseguir levar a vida por diante”, afiança o sociólogo.

O combate às notícias falsas, que são muito fáceis de espalhar e circulam nas redes sociais, pode ajudar a esbater algumas destas crenças, ao “desmontar a arquitetura dessas mentiras”. Cultivar bons hábitos de leitura e informação credível e rigorosa, falar com pessoas em quem confiamos, diz Felizes, pode também ajudar a criar “uma barreira muito importante para evitar que as pessoas sejam sugadas para esse universo paralelo das teorias da conspiração”.

Bem-estar social como forma de combate

Por vezes, a vontade pode ser simplesmente afastarmo-nos destas pessoas, mas quando fazem parte do nosso círculo familiar e de amigos, é mesmo preciso arranjar estratégias para lidar com a situação e tentar conciliar posições por vezes extremadas. Tentar manter o diálogo não será fácil e, se não houver cooperação da parte do “conspirador”, então, a tarefa adivinha-se mesmo extremamente complicada.

Não há milagres, mas há estratégias. E elas passam muito por ouvir, acolher, conseguir ter bom relacionamento com as pessoas, não as invalidar a priori e ir tentando dialogar para a diferença, diminuindo, espera-se, o impacto das teorias.

Se as teorias da conspiração, por definição, desafiam “as leis da razão e da ciência”, os argumentos não funcionam. As teses são “arrasadas pela ideia de que as outras pessoas não sabem nem estão preparados para compreender estas coisas, porque são manipuladas”, salienta Ricou. Para haver diálogo e não gerar discussões que extremem ainda mais as posições, é preciso estabelecer uma “relação de confiança e respeitar minimamente, mesmo não concordando, a opinião da outra pessoa”.

Não podemos invalidar imediatamente o que os que embarcam em teorias da conspiração dizem, pois nesses casos polariza-se o discurso e cria-se uma discussão. “Quando mais os invalidamos, mais precisam de reforçar o que estão a dizer, mais fechados ficam”, enfatiza o professor da Universidade do Porto. Podemos, por exemplo, concordar em parte com uma coisa para criar uma “ponte” e, a seguir, apresentar o nosso ponto de vista. Ou seja, se formos aceitando de alguma forma o que é dito, podemos depois tentar criar espaço para o contraditório, ir levantando questões para, sem negar o que o outro diz, provocar alguma reflexão. É a relação emocional que temos com as pessoas que consegue, de alguma forma, “trabalhar a confiança” e fazer com que quem comunga de teorias da conspiração possa ter alguns “canais abertos para ouvir o nosso contraditório”.

Acima de tudo, é importante conseguirmos lidar com a diferença, com as pessoas que pensam diferente de nós, manter a capacidade de nos relacionarmos uns com os outros para se ter equilíbrio, pois o Mundo é feito por todas as pessoas em conjunto.

Na opinião do especialista, devemos intervir nos “vieses que se criam na forma de pensar das pessoas”, influenciá-las positivamente a partir de “valores pró-sociais”, que facilitem as relações entre as pessoas e as suas diferentes sensibilidades, para terem acesso à diferença e se diminuir o aspeto da “bolha”.

Numa visão mais ampla, considera Ricou, “a primeira coisa para combater as teorias da conspiração é o bem-estar social”. Estas teorias e o seu crescimento só realçam a importância de “termos sociedades equilibradas, onde não haja tantas diferenças entre as pessoas”. Numa sociedade “com pessoas que são muito ricas e outras que são muito pobres é difícil que não se alimentem as explicações negativas, as sensações de raiva e de mal-estar de uns contra os outros”. É, pois, fundamental a promoção do bem-estar das pessoas e a construção de sociedades mais justas e equilibradas.