Joel Neto

Alívio


Desta vez fui eu com o pequeno às Urgências. Estava chatinho desde sábado, embora com uma febrícula apenas intermitente, e, como a primeira quarentena não resultou, assim que recebi o telefonema da educadora, na quarta à tarde, enviei uma mensagem à Adriana, a saber se não se daria o caso de, algures nas horas seguintes, se encontrar de Banco. Temos sido bem tratados por toda a gente, o Serviço Regional de Saúde funciona bem nos cuidados primários, mas a Adriana é minha amiga há anos, e, além disso, tem imensa paciência para aturar as nossas neuroses de pais – eu tinha jurado nunca usar esta expressão, mas estou demasiado cansado – de primeira viagem.

Portanto, na quinta de manhã lá estávamos os dois, eu e o Artur, e ele tinha feito cocó durante o trajecto. Felizmente, a enfermeira da triagem, que nos conhecia desde a Neonatologia, riu-se. Deu-nos uma pulseira amarela, disse: “Não se preocupe, muda na Subespera”, e encaminhou-me para uma sala com uma caminha a um canto, e em cujas cadeiras se sentavam apenas duas senhoras com adolescentes de telemóvel em riste. Atrás de mim, eu sabia que me avaliavam, e tanto podiam assinalar a minha eventual desenvoltura com o garoto como o facto de eu ser um pai tão mais velho. Mas tentei manter-me descontraído. Acabei de mudar a fralda, levei os detritos ao WC mais próximo e voltei para me pôr a fazer desenhos com o meu filho, preparado para uma seca valente.

“Tenho de lhe dizer que o senhor está de parabéns”, suspirou finalmente uma delas. Olhou para a outra no extremo oposto da sala: “Não é fácil ver um homem mudar uma fralda…” A outra assentiu, aliviada por poder dizê-lo também: “Quase todos empurram para as mulheres!” E eu agradeci, claro. Por muito que a herança dos meus antepassados me envergonhe, sou machista o suficiente para sentir vaidade das tarefas que desempenho. Mas também não consegui deixar de me inquietar com o quão fácil é constituir um herói para algumas mulheres da minha terra. Uma fralda, a sério? Que espécie de homem, ademais no século XXI, não muda sequer uma fralda? E quantas serão, exactamente, as famílias nessas condições, se aquela pequena amostra já apontava para dois terços?

Seja como for, mostraram-se adoráveis, as senhoras. Afiaram-me lápis. Foram buscar-me brinquedos. Deram-me sugestões. Mas, ao mesmo tempo, nunca me abandonou a sensação de que me procuravam um defeito, ao menos uma incompetência. E que, quando finalmente eu me espalhei, deixando o miúdo ajoelhado numa cadeira de onde talvez pudesse cair enquanto fui deitar os papéis ao caixote, isso as fez experimentar um alívio maior do que lhes seria conveniente.