Vem aí o Natal e aquele dilema: prenda ou dinheiro?

A questão é acertar, saber ler os outros e dar sinais de si, para oferecer e receber algo útil e surpreendente, ao mesmo tempo. Um presente embrulhado é a melhor escolha? Um envelope com notas significa preguiça?

O Natal está à porta. Dar prenda ou dinheiro? Sonhar com um presente ou euros num envelope? Um estudo de mercado bastante recente vem, de certa forma, refrear o habitual frenesim natalício e colocar o dedo na ferida: 42% dos portugueses não usam os presentes que recebem no Natal e 25% acabam por oferecê-los a outra pessoa. Cerca de três milhões confessam que não gostam do que recebem a 24 ou 25 de dezembro – e, já agora, as meias são a prenda menos apreciada. Mais de metade preferiu não demonstrar o seu desagrado e 39% devolveram presentes indesejados. Estes números, resultantes de um inquérito feito pela Sonae Sierra para compreender preferências e comportamentos nesta quadra, revelam muito sobre quem dá e sobre quem recebe.

Joana Andrade Nunes é consultora de etiqueta e protocolo e começa por recordar a essência da época, uma celebração cristã que festeja o nascimento de Jesus, e relembra a tradição das ofertas dos reis magos cultivada e perpetuada até hoje. “O Natal não está, de todo, conotado com o consumismo, não tem nada a ver com o materialismo”, sublinha. No entanto, a associação é natural e direta: há prendas no Natal. Aos familiares, aos amigos, a alguém que tem um papel determinante como sinal de gratidão, afeto, carinho. “Não há obrigatoriedade de oferecer um presente, seja um objeto, seja um valor material. O que realmente importa é o gesto, não o valor económico”, realça a consultora.

A jurista Carla Dourado, técnica do gabinete de proteção financeira da DECO – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor, conhece as percentagens do estudo da Sonae Sierra, divulgadas há dias. “Obrigam-nos a repensar se estamos no caminho certo na forma de escolher um presente, a repensar o que queremos oferecer, o que é que a pessoa realmente precisa”, refere, a propósito. Como é família e são amigos, a missão pode não ser assim tão complicada. Olhos bem abertos e ouvidos à escuta para perceber se aquela máquina de café tem os dias contados, se alguma peça de vestuário anda a ser namorada, se há trocas de objetos da casa para breve. “Tentar perceber qual a utilidade do que se vai dar, se a pessoa gosta ou está interessada”, indica. Até porque, sublinha a jurista, “tão bom quanto oferecer uma prenda é ver a felicidade de quem recebe.” O Natal também é isso.

Prenda ou dinheiro? “Não há uma resposta certa ou errada”, afirma Joana Andrade Nunes. “O que é deselegante é fazer alguma exigência.” Ou seja, pedir isto ou aquilo, sendo que quem oferece tem a decisão nas mãos, o que vai oferecer, se faz ou não sentido, sem esquecer o contexto financeiro. “Oferecer dinheiro é um ato simplista. Resolve-se a questão sem preocupações e sem perder muito tempo. Oferece-se dinheiro a uma pessoa que parece que tem tudo ou uma pessoa complicada em termos de gosto.” Dinheiro num envelope e o assunto fica resolvido. Se assim for, que seja, mas que pelo menos vá acompanhado com um cartão e uma mensagem alusiva ao significa essa oferta e ao espírito da quadra, avisa a consultora.

Ana Milhazes, fundadora do Lixo Zero Portugal, atenta a questões de sustentabilidade e desperdício, criadora de conteúdos digitais, socióloga, olha para a parte do consumo consciente, onde há várias alternativas, como exemplifica. Desde mudar o paradigma e não oferecer nada, saltando a parte das prendas, vivendo a noite de Natal como um reencontro familiar, ou então oferecer prendas com utilidade que se saiba de antemão que serão usadas ou dinheiro para juntar para aquela viagem, ir ver aquele concerto, comprar aquele computador, aquele telemóvel, aquele eletrodoméstico, aquela roupa, ou uma quantia para uma conta poupança dos mais novos que normalmente recebem muita coisa. Prendas úteis, em duas palavras.

“Há alguma reserva em dar dinheiro, porque se sabe exatamente o que se está a oferecer, porque não se sabe o que o outro vai pensar se não se oferecer um objeto.” Para Ana Milhazes, há costumes muito enraizados e cumpridos pelo peso da obrigação e desgarrados do espírito de gratidão. “Oferece-se muito para agradar, para ficar bem.” Combater o consumo desenfreado e à toa é um movimento de resistência, diz, e é difícil. Mas o Natal, em seu entender, pode ser outras coisas, tempo para pensar na pegada ecológica das compras online, no combustível que se gasta na estrada a caminho dos centros comerciais, na ansiedade de oferecer alguma coisa como se isso fosse o mais importante. “É uma questão de mudar o paradigma, uma questão de hábito, de tentar fazer diferente”, defende.

A frustração de não agradar

O estudo de mercado tem outros resultados: 68% dos portugueses relatam sentimentos negativos quando recebem presentes que não apreciam, 91% falam em frustração quando percebem que a prenda que ofereceram não agradou a quem a recebeu, enquanto 88% ficam satisfeitos quando veem que a oferta que escolheram foi apreciada. No Natal, cada pessoa oferece, em média, oito presentes, com os chocolates no topo da lista, representando 60% das escolhas, roupa e calçado são os artigos mais procurados para dar a familiares. A mesma pesquisa, conduzida desde o planeamento ao momento de oferecer e receber prendas, revela ainda que 61% indicam que o seu orçamento de Natal é de 250 euros e 67% confessam que aguardam pela Black Friday para comprar.

Todos os anos, os mesmos hábitos. O Natal é uma altura de imenso consumismo, trânsito caótico ao fim dos dias, centros comerciais repletos, filas intermináveis nas lojas, papéis de embrulho gastos ao desbarato, aquele stress para comprar todos os presentes, observa Ana Milhazes. O planeta está em risco, a pegada ecológica é um problema, as alterações climáticas preocupam o mundo. “E as pessoas continuam a fazer tudo como se não existisse amanhã”, repara. “As pessoas têm assim tantos presentes para comprar? É tudo um exagero e por que não oferecer ao longo do ano?”, questiona.

Organização é a palavra de ordem, segundo Carla Dourado. “Fazer uma lista, estabelecer o orçamento.” O que dar a quem, quanto gastar para evitar derrapagens financeiras. Logo agora com as promoções da Black Friday e as lojas com montras decoradas a rigor, e jingles a condizer, não é difícil cair em armadilhas que puxam para compras e mais compras por impulso. É preciso atenção, avisa a jurista. “Fazer uma escolha mais inteligente, pensar no que a pessoa precisa, no que lhe pode fazer falta.” Organizar-se, no fundo. “Comprar com consciência, respeitar o orçamento, acertar no alvo, comprar o melhor presente”, reforça. No fundo, tentar comprar melhor por menos.

Cada família tem as suas dinâmicas, a sua noite de Natal. Famílias com muita gente, o jogo do amigo secreto, aquele sorteio para oferecer apenas uma prenda a uma pessoa, é uma possibilidade de poupar tempo, dores de cabeça, dinheiro. Outra questão. Os filhos não oferecem dinheiro aos pais, os irmãos também não. Para esses casos, Carla Dourado dá algumas dicas. “Os irmãos podem se juntar para dar uma prenda aos pais, preparar uma moldura, reutilizar potes de vidro com ingredientes para um bolo.” Os netos também se podem reunir para dar um miminho aos avós, dinheiro está naturalmente fora de hipótese, pode ser um presente feito pelas próprias mãos, como bolachas e compotas feitas em casa. O que é realmente importante, realça a técnica da DECO, é envolver sempre os mais novos nas compras de Natal para que percebam coisas importantes. “Os sonhos são ilimitados, mas o orçamento e a carteira não são, têm limites. Envolvê-los desde pequenos, torna-os consumidores mais conscientes e informados.”

Ana Milhazes sublinha essa participação e educação dos mais pequenos nestas lides natalícias. “Temos de pensar a longo prazo. Com uma criança super consumista, que adulto queremos criar?”, pergunta. Há famílias que partilham brinquedos e roupas entre irmãos, primos e amigos, prática que pode ser usada no Natal, com ofertas de objetos e peças que rodam de mãos e de casas.

Voltemos aos envelopes com notas que não saem de moda. “Oferecer dinheiro pode quebrar o espírito de Natal”, repara Carla Dourado. Joana Andrade Nunes sugere dar tempo em vez de dinheiro a alguém querido, convidar um afilhado, um sobrinho, um amigo, para um almoço ou um lanche, pagar a conta, ou passar uma tarde ou um dia com gente do coração na altura do Natal. “Mais do que 20, 50 ou 100 euros que se pudessem dar, criam-se memórias para a vida.” Recordações que ficam. “O tempo é um bem mais valioso do que o próprio dinheiro”, remata a consultora de etiqueta e protocolo.