Um mergulho na euforia dançante
Há os repetitivos e há os fiáveis. Os Underworld, que andam nisto desde 1987 e são um dos nomes sacramentais da história da música de dança eletrónica, estão definitivamente do lado dos fiáveis. Com o correr dos anos, a banda gerada no País de Gales por Karl Hyde e Rick Smith não cessa de refinar uma linguagem que se reconhece a grande distância; seja pelo estilo de interpretação vocal de Hyde, num estado de transe entre o alucinogénico e a insónia, um poeta beat sem rebanho; seja por um preparado sónico onde no leito tecno progressivo há espaço para experimentalismos, para digressões ambient muitas vezes dominadas por guitarras da cor do deserto, e para um olhar de essência pop que faz com que estas viagens raramente ignorem o conceito (muito elástico, é certo) de canção.
“Strawberry Hotel” (Underworld t/a Smith Hyde Productions) tem todos os ingredientes acima elencados e assinala um retorno dos Underworld à edição de álbuns clássicos (o último, “Barbara Barbara, we face a shining future”, chegara em 2016), após diversos projetos online e multimédia. Dois terços deste registo, notícia maravilhosa, são um mergulho na euforia dançante, Hyde e Smith no pico das suas faculdades de indução da transcendência pelo movimento. “Denver luna” pode ser um segundo capítulo, mais maduro, da cavalgada tecno do seu tema mais conhecido, “Born slippy”. Teclados house e trance empurram “Techno Shinkansen” para uma ideia de futurismo intemporal (sim, isso), de propulsão urbana, de otimismo kraftwerkiano. A noite fecha-se sobre “And the colour red” e fecha-se sobre o ouvinte – ouve-se vermelho, ouvem-se tetos baixos, ouvem-se luzes estroboscópicas. E não é preciso lá estar para se saber que “Hilo sky” e “King of Haarlem”, entre a finura dos amplos arranjos e a violência das batidas, estão neste preciso momento a ser tocadas em Ibiza.
Euforias à parte, faz-se checkout de “Strawberry Hotel” com a ajuda de Nina Nastasia, “Iron bones”, intimista e num vazio cósmico; e com uma peça folk para guitarra acústica, “Stick man test”. Karl Hyde e Rick Smith estão a caminho dos 70 anos. Fulgurantes e fiáveis.