Um ambiente crepuscular
Crítica musical, por Jorge Manuel Lopes.
Salpicadas ao longo de “66” (Polydor), o 17.º álbum de Paul Weller, são as canções com moldura orquestral, de melodias salientes, fulgurantes no embalo e com o coração ao pé da boca, as que mais arrebatam. De longe. Exalam um ambiente crepuscular e emocional, de uma nostalgia sem contornos definidos, projetando a lucidez romântica de quem sabe estar mais perto do fim do que do começo.
Neste sentido, são composições na órbita sonora e afetiva de “Western stars”, o atípico álbum de 2019 de Bruce Springsteen. Experimente-se “Flying fish”, com cores e arranjos a remeter para uns ABBA, se porventura tivessem dado os primeiros passos nos anos 1990 como banda indie de uma cidade portuária britânica adormecida, teclados a fazer a vez da orquestra. Astral, “Nothing” é a primavera cantada no outono, estendendo a mão ao passado glorioso de Paul Weller em The Style Council, pop com as teclas do Rhodes a ronronarem e os flugelhorns a retorquirem até a um final sem ponto final, a canção caminhando com tempo pelo passeio marítimo até se dissipar no horizonte. A garganta revestida pelo couro do tempo, aqui e ali afinidades com os derradeiros capítulos de David Bowie.
Num álbum de várias tonalidades, cintilam menos os momentos de rock tradicional e descarnado: “Jumble queen” é eletricidade, secção de metais e coros, tudo a gritar uma dívida de “autenticidade” americana instantaneamente olvidável; “Soul wandering” partilha parte significativa dos ingredientes e, tendo nascido de uma parceria com Bobby Gillespie, mentor dos Primal Scream, vê a sua condição de pastiche de um pastiche amplamente justificada.
Nada que afete “Rise up singing”, soul branca celestial, Paul Weller e companheiros a espreitarem o gospel entre um groove tranquilo, uma de uma mão cheia de intervenções contidas mas indispensáveis da Britten Sinfonia, com arranjos de Hannah Peel; equipa que repete a presença em “A glimpse of you”, aqui com uma leveza diferente, complexa, quase psicadélica, meio pastoral britânica, meio Van Dyke Parks a enviar os Beach Boys para as nuvens. Voemos.