Procurar o sorriso perfeito e acabar com uma grande dor de cabeça

Campanhas de venda de alinhadores invisíveis na modalidade “faça você mesmo”, muitas vezes com preços apetecíveis, são uma constante nas redes. Mas há riscos sérios associados a estas ofertas tentadoras. Sem o devido acompanhamento, pode mesmo haver perda de dentes, alertam especialistas.

Há casos de fraturas, de dentes a abanar, no limite de perda de dentes. São várias as situações graves que têm chegado aos consultórios de dentistas pelo país fora e que têm um denominador comum – a utilização de alinhadores invisíveis comprados online, a preços mais baixos e sob o ilusório lema “do it yourself” [faça você mesmo]. Pode soar apetecível à primeira vista, mas na prática traduz-se quase sempre numa realidade que nos deve deixar em alerta: a falta de um acompanhamento adequado e o risco evidente de danos, nalguns casos irreversíveis. E não, isto não quer dizer que devamos desconfiar dos alinhadores invisíveis no geral. O problema é a qualidade duvidosa de certas marcas e, acima de tudo, a tal falta de uma supervisão competente.

Pedro Ferreira Lopes, médico dentista da Prime Dental Clinic, admite que se depara com um número crescente de problemas suscitados pelos alinhadores, e não hesita em relacioná-los com a proliferação de “marcas de baixa qualidade e baixo preço”, que se multiplicam como cogumelos pela Internet. Para quem ande habitualmente pelas redes sociais, o cenário está longe de ser uma novidade. No Instagram, por exemplo, abundam anúncios de alinhadores invisíveis com super promoções, muitos deles publicitados por relevantes influencers e figuras públicas, todas com dentições magníficas.

“A Internet é um mundo em que tudo se vende. As pessoas acreditam em milagres. Procuram o baratinho e depois aquilo que têm é o que estão a pagar, sobretudo com estas marcas que funcionam no modelo ‘do it yourself’. Faz-se um pedido pela Internet, os moldes são enviados para casa, é a própria pessoa que os faz, e depois vão mandando fotos. Não só põem em causa a integridade da sua saúde oral, como há casos em que esteticamente acabam por ficar pior”, alerta o médico.

A própria Ordem dos Médicos Dentistas tem vindo a lançar repetidos alertas relacionados com o tema. “Desconfie de campanhas que incentivam ao autodiagnóstico, facilitismo e tratamentos à distância”, aconselhava-se já em 2022, numa campanha lançada na televisão, na rádio e nas redes sociais. Miguel Pavão, bastonário da Ordem, concretizava o apelo: “Na grande maioria das situações relacionadas com a medicina dentária, incluindo o tratamento ortodôntico, é necessária uma interação presencial para garantir a segurança do doente”. E acrescentava: “É fundamental que os julgamentos clínicos em que se baseia uma proposta de tratamento ortodôntico sejam fundamentados numa avaliação completa da saúde oral do doente. E atualmente não há um substituto efetivo para um exame clínico físico como base para essa avaliação”.

Em fevereiro deste ano, a Ordem dos Médicos Dentistas voltou à carga, insistindo que quer ver regulamentada “a venda online de alinhadores ortodônticos, principalmente nas redes sociais, face à existência de casos graves de doentes que chegam aos consultórios com perda de dentição, após o autotratamento sem supervisão de um médico dentista.” Já no final do ano passado, o Council of European Dentists tinha feito uma recomendação no mesmo sentido.

O problema da proliferação de marcas de baixa qualidade e de campanhas sedutoras mas enganosas é apontado também pelas marcas líderes de mercado. “Num primeiro momento as pessoas são seduzidas pelos preços mais baixos, mas acabam por se arrepender, quando percebem que o resultado não é satisfatório”, acusa Louis Patel, country manager da Ormco/Spark, empresa com mais de 60 anos de know-how em ortodontia que, precisamente para garantir uma avaliação preliminar cuidada e o devido acompanhamento, trabalha exclusivamente com dentistas.

Pedro Ferreira Lopes também destaca a importância de uma avaliação a priori. “Para além de procurar um profissional devidamente habilitado e com experiência em ortodontia, é aconselhável integrar uma TAC no plano de tratamento, para evitar que depois surjam situações desagradáveis”, sublinha. Mas ela não dispensa uma supervisão subsequente, com consultas regulares (a regularidade das mesmas dependerá sempre do caso). “Um acompanhamento baseado apenas no envio de fotografias não é fiável”, frisa.

E quando tal não acontece, quais são os riscos? O especialista aponta um: “Se não tenho o cuidado de saber onde está a raiz e o osso e empurro o dente para fora do osso, este fica sem suporte e pode cair.” Luís Gaia Braz, médico dentista, com prática exclusiva em ortodontia, faz referência a um outro risco que, sendo distinto, encaixa no mesmo paradigma – as tais surpresas desagradáveis que não são passíveis de ser descortinadas sem exames prévios. “Imaginemos o caso de um doente que tem um dente definitivo que não conseguiu nascer. Ao usar um aparelho sem supervisão, pode estar a empurrar a raiz do dente bom contra o dente que está preso e isso vai gerar uma inflamação dos tecidos, que no limite pode danificar a raiz do dente bom.”

O médico alerta para um outro perigo. “Caso exista uma doença periodontal [doença que afeta o periodonto, que no fundo é tudo o que está à volta do dente – gengiva, osso e ligamento], vamos ter um agravamento.” Não quer dizer que a doença invalide definitivamente o uso de alinhadores, mas terá sempre de ser tratada primeiro. Pedro Ferreira Lopes acrescenta ainda que “se no plano de tratamento não identificarmos as prematuridades [contactos indevidos ou excessivos entre dentes antagonistas] e a força de mastigação se fixar em apenas dois dentes, por exemplo, há um risco grande de fratura dentária.”

E toda a gente pode usar alinhadores? “Se o meu estilo de vida me permite aderir ao que o alinhador pede, muito bem. Se não permite, talvez o aparelho fixo seja a melhor opção”, advoga Luís Gaia Braz. Para se perceber o que o especialista quer dizer, convém dar uma explicação prévia: para o alinhador funcionar como pretendido, ele terá de estar completamente junto ao dente. Se houver alguma coisa que o impeça, designadamente um pedacinho de comida, este propósito está irremediavelmente comprometido. Além de que o risco de cáries aumenta, na medida em que os resíduos vão ficar horas “enclausurados” no aparelho. “Portanto, para mim, esta é uma pergunta importante: o doente vai poder escovar os dentes depois de cada refeição que faça? É que se trabalho num escritório à partida será mais simples. Numa obra, por exemplo, pode não ser tanto. E mesmo nas escolas.”

Quanto a fórmulas para evitar ir ao engano, Pedro Ferreira Lopes deixa o seguinte conselho: “Pode ajudar recorrer a especialistas que sejam recomendados por pessoas em quem confiam e que tenham ficado bem servidas. Ou em alternativa consultar reviews na Internet e até páginas como o Portal da Queixa, porque há muita banha da cobra por aí. E uma coisa é arriscarmos comprar um par de sapatos muito baratos. Se não forem bons vão para o lixo. Quando mexe com saúde, as escolhas precipitadas podem traduzir-se em problemas sérios”.