Tadzio
Às 13 horas em ponto, a rua que desce Todi enche-se de carros, motas e autocarros, e é precisamente a essa hora que a subimos, engolindo o fumo dos escapes. Não conseguimos estacionamento na Piazza Garibaldi, pelo que tivemos de vir descendo, na infeliz consciência de que teríamos de fazer todo o caminho de volta com o Artur ao colo e a mochila às costas e o cansaço pesando. Mas anima-nos a promessa da “melhor vista da Úmbria”, que a Elena atribuiu ao Cavour, e ademais vamos já no quinto dia de férias, pelo que o cansaço começa a amainar.
E então vejo-o. Desce no meio das dezenas de colegas que descem a pé também, serpenteando entre os automóveis conduzidos pelos pais dos colegas – e é lindo. Loiro, de olhos azuis profundos e tristes, um rosto de anjo, músculos palpitantes por sob os cós das mangas da t-shirt. Podia entrar num daqueles filmes com a Jennifer Love-Hewitt – com uma herdeira da Jennifer Love-Hewitt –, e havia de ser ele a confortá-la. Vem descendo silencioso, como se vivesse num tempo à parte. E eu pergunto-me: “Que tragédia esperará este rapaz?”
É a primeira vez que me ocorre que uma criança pode vir a tornar-se demasiado bonita, e penso na minha. Como será se o Artur, apaziguadas as forças que agora se opõem no seu corpinho em desenvolvimento, se tornar mais bonito do que os demais? Como se educa um rapaz a quem as raparigas, os outros rapazes e até os professores não resistam a fazer as vontades? Como seria ser pai de um garoto lindo como este que desce Todi, devagar, no meio dos colegas que se atropelam?
Não que haja motivos para temê-lo. Eu nem sei se o meu filho é de facto bonito: por ora sou vítima da mais cega paixão.
Mas tenho visto os bebés mais feios resultarem nos adultos mais bonitos, tanto quanto as pessoas mais bonitas virem dos pais mais horrorosos (e a Marta, ainda por cima é linda). Tudo pode acontecer. Ora: que espécie de perigos impendem sobre uma pessoa realmente bonita, neste tempo de inconsequências e Instagrams? E se lhe acontecer, ainda por cima, ser inteligente? E compassivo? E idealista?
Em suma: se a família não prepara uma criança assim para a frustração, para a adversidade, em que acidente à espera de acontecer ela se tornará?
Isto foi há duas semanas, mas ainda não me saiu da cabeça. Hoje de manhã, já na ilha, instalei o Artur na sua cadeirinha no automóvel.
— Na qué Bia! – lamuriou-se ele, temendo ter chegado o dia de voltar para a creche.
— Não queres Bia, meu amor? Então, pronto, hoje não há Bia. – respondi.
Depois pensei melhor.
— Mas só porque é sábado, Artur. Depois de amanhã é segunda e a Bia está à tua espera outra vez.
Pelo sim pelo não, prego a fundo no trabalho da frustração.