Joel Neto

Ritos de passagem


Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.

Gostei deles ainda ela estava sozinha, na verdade conversando com outro rapaz, talvez irmão mais novo, talvez amigo gay. Estava com eles uma bicicleta pequenina, o que facilitou o interesse do Artur, mas o que me levou a aproximar-me foi aquela sombra enorme, produzida pelo único plátano frondoso em todo o parque.

(Os dermatologistas já me avisaram: temos o mesmo tipo de pele, no caso dele como no meu os escaldões apanhados até aos 16 anos podem ser cruciais. De forma que o besunto como um doido, sempre que saímos de casa, porque desta vez já sabemos, benditos sejam a ciência e o esclarecimento.)

Portanto, tinham-se apoderado daquela sombra invejável, os pais do Bernardo. Mas, entretanto – percebi logo -, não eram competitivos. Justifiquei-me estupidamente por o Artur ainda não chutar a bola, persistindo em pegar-lhe com as mãos – ela disse que o filho fazia a mesma coisa, inclusive já mais velho do que o Artur era agora, até que um dia, sem explicação, a pontapeara. Tornei a justificar-me por o meu filho não desmobilizar nas atenções à bicicleta do filho deles, “encomendámos uma parecida há umas semanas, mas só chega dia 14” – ele pôs-se a jogar com os dois dentro daquela jaula pavimentada que eles adoram e, quando sentiu que o filho estava mesmo cansado, convenceu-o a emprestar a bicicleta ao meu, “O Artur precisa de treinar, Bernardo, um dia também hás-de andar na dele.”

Tenho conhecido bastos jovens pais, nos últimos tempos, e muitos são tão pouco competitivos como estes. Mas uma pessoa está sempre a fazer um esforço para se educar, pelo que tende a concentrar-se nos piores exemplos, e alguns parecem não só mais competitivos, mas mais conservadores e bastante menos cúmplices do que estes. Apeteceu-me ser amigo deles, e o pequeno Bernardo, naquele misto de sentido de dever e de pânico – “Mas para onde é que ele leva a minha bicicleta, pai? pai?!” – só reforçava esse impulso.

Já era um menino, não um bebé – reflecti -, embora fosse tão pouco mais velho do que o Artur que os dois não tardavam a ser da mesma idade.

De modo que ali estivemos, o Bernardo a jogar com o pai dentro da jaula, o Artur andando na bicicleta do Bernardo comigo, a mãe aplaudindo ora um, ora outro. Até que eu consegui finalmente arrancar o Artur da bicicleta, relutante. Então, ele pôs-se a espernear, pedindo para que eu deixasse entrar na jaula também. E, ao chegar junto do Bernardo e do pai, a primeira coisa que fez foi pontapear a bola, para minha infinita comoção: agora o meu filho também já é um menino, não um bebé.