Comandou o maior banco privado português até à sua queda estrondosa. Respeitado e, até, temido, fazia da honra palavra de ordem. Dominado pela doença, é hoje uma sombra de si próprio.
Quando, na última terça-feira, entrou em tribunal para a primeira sessão do julgamento do caso BES, no qual é acusado de 62 crimes, Ricardo Salgado era a imagem de um homem vulnerável e fragilizado pela doença de Alzheimer. Com o olhar perdido frequentemente buscando os advogados e a mulher, sentada na primeira fila da sala, ouviu a juíza Helena Susano perguntar-lhe o nome – respondeu corretamente –, a profissão – “ex-banqueiro”, disse –, a morada – que não soube precisar – e a identidade da mãe – “agora não me lembro”. Seguiu-se um brevíssimo diálogo com a equipa de defesa, que o questionou sobre se queria continuar presente na sala de audiência. O homem que muitos consideravam o “Dono Disto Tudo” soltou um pouco convincente “sim”. Acabou, porém, por sair imediatamente, de forma discreta pela garagem do Campus de Justiça, em Lisboa, com a devida autorização da magistrada que conduz o processo.
Uma imagem que dista da construída durante décadas pelo homem que comandou até à derrocada final o maior banco privado português, e que tinha na lista de melhores amigos personalidades como Marcelo Rebelo de Sousa e Francisco Pinto Balsemão. “O leopardo quando morre deixa a sua pele, um homem deixa a sua reputação”, disse convictamente aos deputados durante a sua audição na Comissão Parlamentar de Inquérito aos acontecimentos no Banco Espírito Santo. A mesma em que admitiu ter tomado decisões erradas na gestão do grupo, mas em que assegurou ter feito de tudo para o manter em mãos portuguesas, mesmo quando soaram evidentes os sinais de degradação que acabariam por conduzir à falência e dissolução por decisão do Banco de Portugal, a 3 de agosto de 2014. “Tudo tem o seu preço, exceto a honra”, afirmara anos antes, quando os poderes, nomeadamente o político, ainda o respeitavam sobremaneira. “Era tratado ou visto como um príncipe”, resumiu o antigo ministro das Finanças Teixeira dos Santos, em entrevista à SIC.
Casado desde 1968 com Maria João Salgado, filha de um dentista que fez fortuna em Moçambique, o homem que outrora dominou a banca em Portugal tem três filhos e sempre foi um discreto adepto do Sporting. É ela quem o tem apoiado de perto desde que se começaram a manifestar os sinais de Alzheimer. “A doença infelizmente tem progredido. Tem dificuldade em fazer tudo sozinho”, revelou no início deste ano Maria João, citada pela Agência Lusa. “Tinha um marido fantástico e hoje tenho um bebé grande para tratar”, contou.
O casal habitou uma moradia de luxo, em Cascais, a poucos metros da frente de mar, com três pisos, 45 divisões e singularidades especiais, como uma capela privada a que todos os domingos acorriam à missa dezenas de pessoas – pela fé e pelo desejo de contacto próximo com o então poderoso Ricardo Salgado. O estrondoso imóvel de família foi vendido o ano passado a uma empresa norte-americana por 15 milhões de euros.
Noutro julgamento, o do antigo ministro da Economia Manuel Pinho, Salgado garantiu que a sua atual principal fonte de rendimento são 40 mil euros mensais “doados” pela filha Catarina, verba que lhe permite fazer face às despesas correntes, nomeadamente de saúde. Em 2022, adiantou em tribunal, declarou 91 mil euros de IRS.
Nascido em berço de ouro em Cascais, Ricardo Salgado percorreu todo o ensino escolar em estabelecimentos públicos, nomeadamente a licenciatura em Economia pelo antigo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, atual ISEG. Cumpriu o serviço militar na Marinha e ingressou em 1972 no gabinete de Estudos Económicos do Banco Espírito Santo & Comercial de Lisboa, fundado em 1869 pelo seu bisavô materno, José Maria Espírito Santo Silva (1850-1915), que nascera filho de pais incógnitos e fora criado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, havendo de morrer como um dos homens mais ricos de Portugal.
Após o 25 de Abril e a nacionalização do banco, Salgado viveu no Brasil e na Suíça. Regressou em 1991, protagonizou a reprivatização e fez do BES o maior dos bancos portugueses. Até à queda final.
Cargo Ex-banqueiro
Nascimento 25/06/1944 (80 anos)
Nacionalidade Portuguesa (Cascais)