Se é dos que já tem o bloco de notas - ou o telefone - a postos para começar uma nova lista de resoluções para o ano que se avizinha, as próximas palavras são para si. Se é dos que hesita por ter deixado a anterior por cumprir, também. Estamos sempre a tempo de sonhar e fazer planos. E de aprender a tirá-los do papel.
Celebrar a chegada de um novo ano e fazer planos é algo antigo. Na Idade Moderna, os grupos sociais “mais elevados” já celebravam a passagem de ano com festa, tendo a generalização da celebração sido alargada aos grupos mais “baixos” no século XIX – um século de mudança, com um recuo da mortalidade no contexto europeu e, consequentemente, uma maior projeção no futuro. “As pessoas começam a investir mais nas suas vidas e a projetar o futuro” e é essa ideia de projeção que leva a que se comece a celebrar o novo ano, explica Alexandra Esteves, professora do departamento de História do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho.
Na imprensa do século XIX e início do século XX que consultou, a docente encontrou referências nesse sentido. As pessoas “associavam a passagem de ano à ideia de esperança, de renovação, projetavam que o futuro seria melhor”, pese embora alguns colunistas criticassem esse “excesso de otimismo, que rapidamente desaparecia”. Há uma “ideia simbólica de que vamos limpar o passado, vamos deixar o velho para trás e começar algo novo”.
As resoluções de ano novo, acrescenta a socióloga Rita Ribeiro, professora no mesmo instituto, “têm a ver com a ideia de um reinício, de poder projetar para o futuro, marcar a passagem do tempo”. É um momento carregado de rituais e de tradições, que se vão adaptando e manifestando de diferentes formas ao longo do tempo. Por cá, é comum sair à rua para ver fogo de artifício à meia-noite, saltar com o pé direito vestido de azul para atrair sorte ou comer passas e pedir desejos. E, claro, muitos pegam no bloco de notas ou no telemóvel para escrever resoluções para um novo ano.
As resoluções podem ser coisas que as pessoas querem para a sua vida e ainda não atingiram ou tentativas para refazer algo que sentem que não está bem, novas conquistas a alcançar ou melhorias a implementar. “Partem de uma reflexão das pessoas sobre algo que querem mudar ou melhorar”, considera Ana Rita Valbom, psicóloga clínica e da saúde, sublinhando que, “do ponto de vista emocional e interior, as resoluções de ano novo têm a ver com uma nova oportunidade que queremos dar a nós e aos nossos projetos, à nossa vida”.
São, em suma, os nossos sonhos, sejam eles fantasiosos ou perfeitamente exequíveis. São aquilo que comanda a vida e a faz avançar, “como bola colorida entre as mãos de uma criança”, nas palavras do poeta António Gedeão, em “Pedra Filosofal”.
O sonho, contextualiza Ana Rita Valbom, está geralmente “associado às crianças, que têm liberdade para imaginar”, mas é “benéfico”, até em termos de “saúde mental”, que os adultos também os cultivem. Nem que seja naquele momento em que há uma espécie de “autorização social” para o fazerem sem críticas, como nos aniversários e na passagem de ano.
Motor de mudança
No arranque de um novo ano, há quem se inscreva no ginásio, quem inicie uma terapia, quem decida fazer um curso, recomece um passatempo, reserve mais tempo para a família, coloque a preguiça de lado, seja mais organizado e solidário ou mude outros comportamentos e interações sociais negativas.
Mas não basta escrever a resolução no papel. Para a sua concretização, é preciso perceber se é concretizável e o quanto depende da pessoa que a formulou. “Quanto mais a pessoa considerar que depende dela, que ela pode ser o motor dessa mudança, mais fácil será isso acontecer. É preciso que a pessoa consiga identificar em si esse motor de mudança e não em agentes externos.” Isto, afiança a psicóloga Ana Rita Valbom, é algo “fundamental” quando passamos à fase de planificar para concretizar as resoluções.
Também é importante o fracionamento do objetivo e estar disposto a perder algumas coisas para se alcançar as outras que se desejam. “É preciso perceber se tenho espaço na minha vida para o que quero.” No caso de um novo curso, pode ser avaliar se se tem horário para estudar e dinheiro para as despesas. Em seguida, é preciso perceber o que se vai perder com a concretização desse objetivo, algo que “muitas vezes tem implicações no seu alcance”, alerta a psicóloga.
“Quando queremos uma coisa, vamos perder outras. É preciso perceber o quanto estou disposto a abdicar de umas coisas para conquistar outras. Isto é chave.” Voltemos aos exemplos. A viagem dos seus sonhos implica que o tempo e dinheiro que gastar aí vão faltar para fazer ou comprar outras coisas.
“Os processos de resoluções, de ganho na vida, de conquista”, continua Ana Rita Valbom, “implicam sempre uma escolha, uma opção, que tem associada a si uma perda, um luto, algo que vou deixar de ter. As resoluções de ano novo obrigam-nos a assumir uma escolha, a responsabilizarmo-nos por ela e a refletir sobre a nossa vida”.
Segundo Ana Bispo Ramires, psicóloga com vasta experiência na área do Desporto e da Performance, se os objetivos não forem exequíveis, é quase uma causa perdida à partida. “São mais [as resoluções] que não se concretizam do que as que se concretizam, porque muitas vezes é mais uma vontade que algo pudesse acontecer”, do que o estabelecer de um plano e estratégias específicas “para se alcançar o que se pretende”. Pode dar uma espécie de “balão de oxigénio nas primeiras semanas do ano, mas frequentemente desistem de o fazer”.
Para se concretizar as resoluções, é preciso estabelecer um plano. “Quando há uma alteração que queremos que aconteça nos nossos estilos de vida, o que devemos fazer sempre é planear e perceber os passos que precisamos de adequar para que as coisas aconteçam”, diz Ana Bispo Ramires.
Esse plano varia muito de pessoa para pessoa, dos seus objetivos, recursos e obstáculos, entre outras circunstâncias. É essencial definir concretamente o que se quer fazer, que ações se podem tomar, “focando a estratégia no que se controla e no próprio comportamento”. Tentar antever os obstáculos que podem surgir e como os contornar.
As pessoas criam expectativas sobre mudanças que querem que aconteçam na sua vida e, avisa Ana Bispo Ramires, o não atingir dos planos que se traçaram no início do ano pode causar sentimentos de “frustração e perda de perceção da capacidade de mudança do próprio destino” e das coisas a que cada um se propôs. Aumenta uma sensação de “ineficiência”, porque não se conseguem controlar as coisas. “Esvazia” a confiança, a autoestima e a crença de que se podem atingir coisas positivas na vida.
As pessoas que “têm mais dificuldade em focar-se naquilo que controlam e que se focam mais naquilo que o contexto pode providenciar” têm mais dificuldade em levar os planos adiante. Daí que seja tão importante “criar tarefas e objetivos que dependam da própria ação”, frisa a psicóloga.
“Posso passar seis meses a dizer que quero mudar de emprego, fazer ginástica ou uma grande viagem, mas se não enviar currículos, inscrever-me num ginásio ou comprar o bilhete, ou seja, ações concretas, comportamentos que nos levam ao que queremos, quase de certeza não irá acontecer.”
Se o sonho parecer irrealista, é preciso perceber o que é possível fazer para o concretizar, acrescenta agora Ana Rita Valbom. Como dizia o principezinho de Antoine de Saint-Exupéry, é o tempo que se dedica à nossa “rosa”, ou o tempo que dedicamos aos nossos sonhos, que os tornam importantes.
Mas se não cumpriu os planos do ano anterior, não fique angustiado. A vida renova-se, por isso, no ano seguinte podemos sempre renovar os sonhos e os planos. Quando no final de um ano fica frustrado porque não foi ao ginásio, pode voltar a colocar esse objetivo na lista.
“Não se esgota a nossa capacidade de nos irmos renovando, no ano seguinte pode-se voltar a tentar dar mais uma oportunidade a nós próprios e aos nossos sonhos”, realça Ana Rita Valbom, aconselhando, no entanto, a que cada um reflita porque não conseguiu e o que é preciso “mudar na planificação para concretizar” os planos, sob pena de nunca saírem do papel. Se deixou passar a entrada no novo ano, também não desespere.
As determinações de mudança de vida não têm de ser feitas no dia 31 de dezembro ou 1 de janeiro, mas sim “quando, internamente, faz sentido para um”, sublinha, por sua vez, Ana Bispo Ramires.
E se acha que está demasiado velho para fazer planos, simplesmente desengane-se. É que, como salienta Ana Rita Valbom, “enquanto estivermos nesta vida, é fundamental que o sonho se mantenha ativo”. Sonhe e arranje um plano para o concretizar. Se não conseguir, dê a si próprio nova oportunidade e, em vez de desistir, procure outra estratégia. Bom ano!