Os segredos das campanhas de marketing mais arrojadas

Surpreendem, fazem rir, inspiram múltiplas partilhas, aqui e ali causam polémica. As histórias por trás de publicações e cartazes que dão que falar.

Era abril de 2023, Patrícia Nunes Coelho estava em casa quando sentiu uma trepidação fora do normal. Intrigou-se, quis saber mais, percebeu então que tinha havido um pequeno sismo, com epicentro ao largo de Peniche. Pouco depois, Patrícia, diretora ibérica de marketing da LifeStyles Healthcare, empresa que detém a Control, marca de preservativos, ligou ao diretor criativo. “Viste? Foi pequenino mas senti!”, atirou, sem pensar. Às tantas, estavam ambos a rir, nem foi preciso dizer nada, perceberam logo que o post do dia se tinha feito “sozinho”. O episódio, que partilha com a “Notícias Magazine”, ilustra a linha de marketing que tem pautado o crescimento da marca e dado que falar. Pela criatividade, pelo arrojo, pelo humor.

“Fomo-nos dando conta de que a sociedade ainda tinha uma série de barreiras no que toca à sexualidade e quisemos arranjar uma forma de aumentar a ‘brand awareness’ [consciência de marca], com recursos limitados. E as análises que fizemos, ao longo de mais de um ano, mostraram que o melhor gancho para o conseguir era o humor.” Seguiu-se um processo de definição de estratégia e de redefinição da “persona Control”. “Tivemos de perceber como íamos falar para um grupo tão alargado de consumidores, tanto homens como mulheres, até porque muitas vezes são as mulheres que compram os preservativos.” Faltava então responder a uma questão essencial: o que é que as pessoas nos querem ouvir dizer? “E aí agarrámo-nos a um princípio básico do marketing: o consumidor deve ser visto como um amigo da marca. E um amigo fala de quê? Das coisas do dia a dia, do que está a acontecer, seja uma greve ou um tremor de terra. Foi isso que tentámos fazer, sempre com um tom sexual e humorístico, com aquele ‘twist malandro’.”

Depois, foi dar voz à tal “persona”, com um foco particular no Instagram, o “megafone” da marca. Já lá vão sete anos. E assim se multiplicaram publicações que vão desde trocadilhos com efemérides – “Foi ‘tão bom’, para ti e para mim. Obrigado pai’, a propósito do dia do pai, ou ‘Usa a mão, senão murcha!’, com um manjerico em pano de fundo, na altura do São João -, a brincadeiras com questões que marcam a atualidade, como o tal post do sismo. Os resultados “ultrapassaram todas as expectativas”. Em seis anos, o número de seguidores da Control Portugal no Instagram passou dos 6500 para quase meio milhão (475 mil), atingindo cerca de 11,5 milhões de visualizações mensais, garante Patrícia. Tudo graças a um “crescimento orgânico” e a uma equipa de três pessoas, em contacto permanente num grupo do WhatsApp. “Há um planeamento semanal, há ideias em backup, e depois há a resposta em ‘real time’, ao que vai acontecendo.” Com uma regra-chave: têm uma hora para reagir. Para ser possível, há dois aspetos essenciais – por um lado, um modelo gráfico estandardizado, em que só muda a frase e a imagem; por outro, o facto de Patrícia ter a palavra final e não serem necessárias outras aprovações.

Na ânsia de quebrar tabus, também há limites, assume. “Regra geral, a religião, a política e o clubismo, por serem áreas muito emocionais. Não acho que seja o papel de uma marca entrar por aí e incendiar, sobretudo quando a sociedade está cada vez mais polarizada. Não quer dizer que não o façamos de vez em quando, mas por regra não.” E percalços, há? Há, pois. A última semana foi um bom exemplo disso. A propósito do Dia de São Martinho, a marca partilhou uma imagem com uma castanha e a frase “O pior é quando a descascas e vês que tem minhoca”. Só que aquilo que pretendia ser uma brincadeira, enfureceu a comunidade trans. E portanto a Control apagou o post e explicou que este tinha tido “graça para muitos”, mas que tinha ofendido “outros tantos”. “E esse é obviamente o nosso limite”, assumia-se. Dias antes, na conversa que teve com a NM, Patrícia abordava a questão do erro. “Faz parte do marketing, não conseguimos criar valor se continuarmos a fazer tudo igual, temos de arriscar e às vezes errar, é humano e fundamental.”

A estante que deu que falar

E por falar em ações que deram que falar, é incontornável falar da IKEA e da famosa estante. “Boa para guardar livros. Ou 75.800€”, recorda-se? A mensagem era uma referência evidente ao montante que, meses antes, tinha sido encontrado na sala de Vítor Escária, chefe de gabinete do então primeiro-ministro António Costa, durante as buscas da “Operação Influencer”. Nesse mesmo dia, Costa pediu a demissão. É já em contexto de pré-campanha que os múpis da IKEA inundam o país, com uma série de referências políticas. Sem surpresa, a da estante ofuscou todas as outras. Nas redes, não faltou quem sentenciasse que a marca estava a entrar na campanha. Mas a acusação rapidamente foi refutada. Em comunicado, a IKEA garantiu que não houve “intenção ou propósito de contribuir para o debate partidário” e para o contexto pré-eleitoral. “Olhamos para as nossas campanhas, e para nós próprios, com sentido de humor, e muitas vezes como forma de aliviar a tensão de um mundo com os nervos à flor da pele”, acrescentava-se.

À NM, Mónica Sousa, country marketing manager da IKEA, puxa a fita atrás. “Em 2023, tínhamos tido uma das maiores baixas de preços de sempre, com um investimento brutal, mas olhámos à volta e vimos que não estávamos a sobressair. Meses antes, tínhamos feito uma campanha de abertura na Madeira, a brincar com expressões locais, que tinha sido um grande sucesso. Então pensámos. ‘O que é que podemos fazer que aumente a notoriedade, tenha graça e vá ao encontro do tema de que as pessoas andam a falar, que eram as eleições?’ ‘Brifámos’ a agência e pedimos para pensarem em algo que pudesse ter graça, sem nos envolvermos diretamente nas eleições. Foi então que apareceram uma série de cartazes superengraçadas.” De todos, perceberam logo que o da estante tinha grande potencial para dar que falar. Mónica admite que ainda hesitaram, mas acabaram por entender que, com isso, não se estavam “a meter na política”, apenas a constatar algo que tinha acontecido, com um tom humorístico. “E depois quando saiu… bem, foi uma loucura”, resume a responsável. “Começámos a receber mensagens logo às oito da manhã, as pessoas recebiam a imagem em grupos de WhatsApp e perguntavam-nos se era real. Depois começaram os artigos, uns bons, outros nem por isso, mas na grande maioria o feedback foi brutal. E os cartazes foram divulgados apenas através da rede de múpis, não houve nada no digital, portanto a campanha ganhou tração simplesmente pela partilha de fotos.”

Os números ilustram o sucesso. A campanha alcançou mais de 21 milhões de pessoas e a IKEA chegou, na semana de lançamento, ao quarto lugar do ranking Marktest das marcas portuguesas mais recordadas. Além de que as vendas da estante aumentaram 39%. E queixas? “Nada de formal, só mesmo o ‘diz que disse’”, esclarece Mónica. Meses depois, já depois de o Governo liderado por Luís Montenegro tomar posse, e o de o logo dos documentos oficiais ter sido revertido com polémica à mistura, a empresa voltou ao humor: “O nosso design é para todos.” Mas tão cedo não tencionam regressar à política. “Se o fizéssemos já não surpreenderia. E o desafio é sempre tentar surpreender.” Dentro de premissas essenciais de que não abdicam. “Queremos que a nossa comunicação seja simples, divertida e inclusiva. Sendo nós uma marca para a maioria das pessoas, que se quer democrática, temos de fazer coisas que as pessoas facilmente compreendam. E que sintam alguma coisa quando veem as nossas comunicações.”

Começando pelos hábitos banais do dia a dia. “Tentamos pegar em coisas engraçadas que todos fazemos, e que comentamos com os amigos, e trazer isso para a nossa comunicação, para que seja uma coisa coerente e verdadeira. E depois também temos este lado de sermos rebeldes e determinados a desafiar as coisas como elas são. Acho que este lado, de querer brincar com as coisas, de não nos levarmos demasiado a sério, é um dos aspetos principais da nossa marca. Não tendo um budget tão grande quanto gostaríamos, temos de fazer as coisas com criatividade para chamar a atenção.” Daí a tal campanha da Madeira. Ou a de Évora, em que o mote foram as migas. Ou a de Viseu, a brincar com as muitas rotundas da cidade. Outro ponto de que não abdicam é o tal lado inclusivo (já em 2011, a IKEA lançou um anúncio publicitário que tinha um casal homossexual como protagonista). Mesmo que o tema inspire significativas doses de ódio nas redes sociais. “É uma tema sensível. Temos cada vez mais feedback positivo, mas perdemos sempre seguidores. E nos comentários há muito ódio. Mas isso só mostra que temos de continuar a falar destes temas, é algo de que não abdicamos. E também há uma coisa muito gira, que é já haver uma comunidade de seguidores que nos defende.”

Criatividade e história

Também entre as marcas nacionais, há bons exemplos de departamentos de marketing que se pautam pela criatividade. É o caso da Super Bock, marca nacional que completou este mês 97 anos, e que aposta em imagens e mensagens originais, frequentemente com a amizade como inspiração maior. Bruno Lopes, manager do Cervejas Super Bock Group, foca isso mesmo. “ A amizade é um pilar fundamental para a nossa atuação e é exatamente nesse território que centramos as nossas atenções.” Tanto é que desde 2015 criam campanhas anuais em torno deste tema. Sem perder o rasto à atualidade, num exercício que vai muito além do humor, garante o responsável. “Estamos atentos ao que nos rodeia e procuramos causar impacto, acompanhando as tendências e levando temas para o debate público, deixando, depois, que os consumidores e criadores de conteúdo assumam a conversa e a tragam para as interações do dia a dia.” Entre as campanhas mais recentes, destaca a “Super Doc”, uma edição especial da cerveja sem álcool “que possibilitou a produção de mais álcool gel” durante a pandemia, ou a “Amigos amigos, cervejas à parte”, lançada na altura do desconfinamento, para “apoiar o regresso ao convívio, de forma segura”. O responsável vinca ainda que só em 2023 a Super Bock atingiu mais de sete milhões de pessoas através das suas ações digitais. Não esclarece, no entanto, quantas pessoas trabalham o marketing da empresa.

No caso da Licor Beirão, marca portuguesa fundada em 1940 por José Carraça Redondo, há mais de 15 pessoas a trabalhar “de forma permanente” na equipa de marketing, esclarece Daniel Redondo, diretor geral e neto do fundador. “O marketing de Licor Beirão sempre teve por base a inovação e a ideia de fazer as pessoas ‘virarem a cabeça’, sempre de forma irreverente e surpreendente. Foi, por isso, a primeira marca a comunicar nas ruas, pelas mãos do meu avô, que pintava o logótipo da marca em diversas paredes e rochas pelas estradas de norte a sul do país, foi das primeiras a comunicar em televisão e a usar o humor e o marketing contextual para fazer passar as mensagens da marca.” A portugalidade, o convívio, o otimismo. Na história do marketing da empresa, contam-se desde a famosa campanha “O que é que se bebe aqui?”, de 2002, ao spot “A primeira bebida da noite”, protagonizado por José Diogo Quintela, ou, mais recentemente, a campanha “Beirão de Sorte”, inspirada na aclamada série “Rabo de Peixe”.

Mais de 80 anos de história, com muitos episódios inusitados pelo meio. Daniel Redondo recorda alguns. “O meu avô foi chamado 94 vezes a tribunal pela afixação de cartazes e publicidade ao longo das estradas, só tendo perdido uma vez, a única em que levou advogado. A partir daí, ia sempre sozinho e ganhava sempre.” O mesmo avô que o despediu três vezes. “Após terminar a faculdade, vinha com muitas ideias e era difícil passar o meu ponto de vista… mas eu sabia que ele esperava sempre ver-me no dia seguinte”, partilha, com graça. Mais de 80 anos depois de José Carraça Redondo ter comprado a “fabriqueta de licores” e lhe ter dado um nova vida, Daniel, o neto, agarra-se a uma premissa antiga. “Como ele tão bem dizia: ‘Podemos ter o melhor produto do mundo, mas se não tiver mos um bom marketing não o vendemos’. Desde então, procuramos todas as oportunidades para chamar a atenção.”

Para Fernando Pinto Santos, diretor académico do IPAM Porto e especialista em branding [o trabalho de gestão de uma marca], a fórmula de sucesso passa sempre por uma “conjugação de uma aposta na continuidade” – “são marcas que têm tido uma comunicação muito consistente ao longo dos anos, mesmo em termos estéticos e criativos” – com uma “adaptação às circunstâncias do momento, ao que vai marcando os media e o interesse das pessoas.” Dentro deste princípio maior, vê ainda outras tendências que se têm tornado mais comuns num certo tipo de marcas e que vão fazendo a diferença. Desde logo, a adaptação a contextos locais, que também “diz muito sobre o consumo de hoje em dia”. “A atenção está muito mais fragmentada e é preciso arranjar novas formas de manter o consumidor interessado.” Além da irreverência, da informalidade, da criatividade, do humor, e da resposta às tendências da sociedade e dos acontecimentos do dia a dia – o chamado “real time marketing”. Tendências que, no seu entender, respondem aos ditames de um Mundo cada vez mais globalizado, em que o imediatismo das redes sociais assume um papel determinante e exponencia a tal necessidade de comunicar em tempo real. “Queremos sempre mais informação, mais conteúdo, mais humor, mais surpresa. Daí que o desafio das marcas passe cada vez mais por surpreender com criatividade, se quiserem manter-se relevantes.”