O tabaco aquecido e os dispositivos eletrónicos não são inofensivos e não ajudam a deixar de fumar. Causam dependência e fazem mal à saúde. Falemos então dos malefícios.
O tabaco aquecido e os cigarros eletrónicos suavizam os malefícios dos cigarros tradicionais? Os novos dispositivos são menos viciantes e ajudam a deixar de fumar? As substâncias inaladas são menos prejudiciais? Quais os riscos para a saúde? As respostas não são animadoras. “Não podem ser classificados como cigarros ‘bonzinhos’ ou de baixo risco”, avisa Sofia Ravara, pneumologista, coordenadora da Comissão de Tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, professora na Universidade da Beira Interior, na Covilhã.
A médica pneumologista explica como funcionam esses “novos” cigarros. O tabaco aquecido e os cigarros eletrónicos são dispositivos eletrónicos que usam uma tecnologia de aquecimento para fornecer a nicotina que é inalada. O tabaco aquecido usa um “bastão” ou cápsula de tabaco reconstituído feito de aparas, ou sobras de tabaco, e fibras de celulose, além de aromas e outros aditivos. Os cigarros eletrónicos utilizam uma mistura de nicotina, aromas e um solvente. “Ambos, cigarro eletrónico e tabaco aquecido, passam por um processo de aquecimento e degradação termogénica gerando novos compostos e substâncias muito tóxicas, irritantes e carcinogénicas (potencialmente causadoras de cancro), que são inaladas e libertadas para o ambiente”, adianta Sofia Ravara.
As substâncias que se inalam não fazem bem à saúde. As nitrosaminas, um agente carcinogéneo inalado no aerossol, estão lá, tal como a nicotina e compostos orgânicos voláteis. “O uso de produtos de tabaco aquecido está associado a uma significativa toxicidade pulmonar e imunomoduladora (alteração do sistema imune) e sem diferenças em relação a fumadores de cigarros convencionais ou fumadores que trocaram para esses produtos”, adianta Luís Rocha, presidente da Fundação Portuguesa do Pulmão, pneumologista do Hospital Lusíadas Porto e do IPO do Porto. Há estudos que indicam que o cigarro eletrónico prejudica a saúde, uma vez que se verifica um aumento de libertação de mediadores que potenciam inflamações e infeções, sintomas respiratórios e asma. “Os problemas de saúde oral, como o mau hálito e a gengivite, também podem estar presentes com o uso destes dispositivos”, observa o pneumologista.
Segundo Sofia Ravara, não é propriamente vapor de água que é libertado, é outra coisa, é um aerossol, uma suspensão de partículas finas envolvidas num gás. O que não é bom. “Libertam um aerossol que é um cocktail perigosíssimo de substâncias comprovadamente tóxicas, irritantes e carcinogénicas”, refere, acrescentando que, por exemplo, o aerossol do tabaco aquecido contém substâncias similares ao cigarro tradicional, como alcatrão, nicotina, e vários compostos orgânicos voláteis prejudiciais à saúde.
A nicotina, a famosa nicotina. “A nicotina, presente quer nos vapes quer no tabaco aquecido, pode causar doença cardiovascular e metabólica (diabetes)”. “Diversos estudos indicam que os vapes podem causar sintomas e doença respiratória em adolescentes e jovens com exacerbações de asma, bronquite, pneumonia, inflamação e irritação do trato respiratório com sintomas recorrentes de tosse, aperto torácico e falta de ar, e dificuldade respiratória aguda”, sustenta a médica pneumologista.
As partículas respiráveis finas e ultrafinas depositam-se no pulmão profundo e podem causar inflamação e irritação. Além disso, a pressão arterial e a frequência cardíaca podem aumentar.
Os açúcares e os aromas
Não parece haver dúvidas. Têm riscos para a saúde, não são inofensivos, são viciantes, nem sempre reduzem o consumo de tabaco. “Os produtos de tabaco aquecido contêm nicotina, substância altamente aditiva e que provoca dependência, e outros produtos que são adicionados, aumentando assim a atratividade ao consumo, como sejam os açúcares e aromas (mentol, café, chocolate, banana, manteiga, canela, cravo, eucalipto, menta, morango, baunilha, entre outros)”, afirma Luís Rocha.
Será que os aromas amenizam os riscos? “Não, muito pelo contrário”, responde Sofia Ravara. “Os aromas aumentam a toxicidade e potenciam a dependência, pois levam a uma inalação mais profunda de nicotina e substâncias tóxicas.”
Estes novos produtos chegaram ao mercado como resposta da indústria à diminuição das vendas e consumo de tabaco em todo o Mundo. “Ou seja, estes produtos surgem pela necessidade de uma indústria continuar a ter lucros. Como estratégia de marketing, estas indústrias disseminaram falsos mitos nas redes sociais e nos media que estes dispositivos emitem vapor de água e são menos prejudiciais para a saúde ou que servem para deixar de fumar. Sabe-se hoje que são altamente aditivos, pois fornecem nicotina de uma forma muito eficaz, isto é, atingindo o cérebro muito rapidamente e em concentrações elevadas, mais elevadas até do que o cigarro normal, particularmente os modelos mais recentes dos vapes e tabaco aquecido”, avisa Sofia Ravara.
Uma coisa é certa: o uso destes novos produtos está a aumentar entre jovens e adolescentes. O que é preocupante. “Os jovens são particularmente atraídos pela novidade e pelas novas tecnologias, pela perceção de menor risco que os cigarros tradicionais e variedade de aromas disponíveis”, diz Luís Rocha. Nos Estados Unidos, por exemplo, há dez anos que o cigarro eletrónico é o produto de tabaco mais consumido pelos jovens.
Estudos europeus revelam as razões para aderir a esta nova forma de consumo: deixar de fumar, alegam ser menos prejudicial do que os cigarros convencionais, fica mais barato, permite fumar em locais livres de fumo. Mas não é bem assim, apesar das cautelas das sociedades médicas e de não haver dados a longo prazo dos efeitos na saúde do tabaco aquecido e dos cigarros eletrónicos. A Sociedade Respiratória Europeia deixa alguns recados. “Recomenda que apesar de poderem ser menos prejudiciais para os fumadores, no entanto, continuam a ser prejudiciais e altamente aditivos e pode haver o risco de os fumadores mudarem para tabaco aquecido, em vez de deixarem de fumar”, lembra Luís Rocha.
Há ainda o duplo consumo, ou seja, de cigarros convencionais e de cigarros eletrónicos. Uma situação que não é de desvalorizar. “Um fumador que reduza de 20 cigarros por dia para dez cigarros por dia, reduz em 50% o seu consumo, reduz em 50% a despesa com o tabaco, mas a redução do risco de doenças atribuíveis ao tabaco é desproporcionalmente inferior à redução do consumo. Por exemplo, redução de consumo de cigarros em 50%, reduz risco de neoplasia pulmonar em 25%.” Há outras contas a fazer. “O consumo de apenas um a quatro cigarros por dia aumenta significativamente o risco de morte por doença coronária. O consumo de cigarro eletrónico aumenta o risco de enfarte agudo do miocárdio (EAM), embora menor que o associado ao consumo de cigarro convencional, mas se o consumo é duplo, o risco de EAM é ainda maior”, avança o presidente da Fundação Portuguesa do Pulmão.
Há uma boa notícia, apesar de tudo. “Existe tratamento seguro e eficaz para ajudar os fumadores de cigarros e de tabaco aquecido, e os vapers, a cessar o uso de tabaco e nicotina, tornando o processo de desabituação nicotínica muito mais fácil e tranquilo”, garante Sofia Ravara. Basta procurar ajuda médica para parar de fumar.