São autênticos museus naturais, que já vão muito além de uma montra de animais. Espaços mais amplos, habitats que imitam o ambiente selvagem, preocupações com o bem-estar, a saúde, a alimentação. E, nos bastidores, trabalham em rede, dedicam-se à conservação da biodiversidade e a projetos de reprodução de espécies ameaçadas.
Só por estes dias, pleno verão, época em que os visitantes se multiplicam, há três habitats a serem remodelados no Jardim Zoológico de Lisboa. O dos leopardos-da-pérsia, animal robusto nativo da Ásia ocidental, o dos pinguins-do-cabo, de plumagem negra no dorso e branca no ventre, e o dos pequenos primatas. Nada que atrapalhe as visitas, até porque o trabalho de melhorar os espaços nunca tem fim. “As instalações são permanentemente readaptadas”, refere Rui Bernardino, diretor da área zoológica e veterinária. Na verdade, há pouco mais de duas décadas, a realidade dos jardins zoológicos era bem diferente, era comum ver primatas atrás de grades, felinos também, animais confinados a espaços pequenos e cinzentos. Só que o Mundo mudou e os zoos também. Atualmente, os habitats são amplos e tentam imitar o ambiente natural da espécie, em contexto selvagem, a pensar no bem-estar. “A sociedade foi evoluindo, o conhecimento foi crescendo. Agora os zoos dedicam-se à educação ambiental, à conservação da biodiversidade. E o facto de termos acesso diário a estas espécies, de tratarmos delas, de as observarmos faz com que muito do conhecimento científico nasça aqui.”
O Jardim Zoológico de Lisboa conta 140 anos, tanto mudou desde então. Tem dois mil animais, à volta de 250 espécies. Há 25 anos avançou com obras estruturais para melhorar as instalações em que os animais vivem, espaços mais naturalistas, com árvores, passadiços aéreos e até esconderijos, o que reduz os avistamentos dos animais pelo público, uma era diferente. As mudanças também foram motivadas pela criação, em 1992, da Associação Europeia de Zoológicos e Aquários (EAZA, na sigla em inglês), que promove a cooperação e a preservação das espécies, de que o zoo de Lisboa faz parte desde o princípio. Há partilha de informação, um trabalho em rede entre zoos – mais de 300 membros -, organizações não-governamentais (ONG), entidades estatais e técnicos que trabalham em zoológicos e em meio selvagem. “Com isto, evoluímos muito na área da nutrição, da saúde, do espaço que os animais necessitam e isso reflete-se nos anos de vida das espécies que vivem aqui, que muitas vezes duplicam”, comenta Rui Bernardino. É em Lisboa que mora o tigre-de-sumatra mais velho da Europa, 22 anos, reflexo dos cuidados. Dentro do zoo, há até um hospital veterinário, que chegou a ser considerado o melhor da Europa. “Quando se trabalha com espécies tão importantes a nível da conservação – em alguns casos só existem algumas dezenas em todo o Mundo – temos de ter todas as condições para garantir a sua sobrevivência.”
O intuito passou a ser conservar e preservar a genética, acontece os animais circularem entre zoos na Europa para reprodução, numa dinâmica de gestão fina. O Jardim Zoológico de Lisboa ainda participa – e é financiador – em projetos de reintrodução na natureza de espécies em risco de extinção. Em 2012 cedeu um casal de leopardos-da-pérsia para um programa, nas montanhas do Cáucaso, onde foi criado um centro de reprodução. As crias foram treinadas para a vida selvagem, a caçar presas vivas, sem contacto humano, para serem devolvidas à natureza. “Hoje, os jardins zoológicos são autênticos centros de reprodução de espécies ameaçadas, só que são visitáveis. E faz sentido, já que estes animais estão sob nosso cuidado, podem permitir momentos educativos. Além de que é a bilhética de entrada no zoo que financia todo este trabalho.”
Recentemente, a União Internacional para a Conservação da Natureza emitiu uma posição sobre o papel dos Jardins Botânicos, Aquários e Zoológicos na conservação das espécies, onde considera que o trabalho dos zoos é subvalorizado e tantas vezes incompreendido. No mesmo documento, reconhece os elevados padrões de cuidados, conservação, educação e investigação destas instituições e o contributo que têm dado para evitar a extinção de muitas espécies. Muito desse trabalho é feito em parceria com ONG, uma delas a WWF, que atua na área da preservação da natureza. Segundo Catarina Grilo, diretora de conservação e políticas da WWF em Portugal, “os zoos evoluíram muito no bem-estar animal”. “Os primeiros jardins zoológicos eram quase estábulos com animais para exibição. O de Lisboa é um exemplo claro, as instalações eram muito precárias. Isso mudou. E a WWF reconhece a importância atual dos zoos ao aproximar as pessoas destas espécies selvagens, que nunca teriam oportunidade de ver se os zoos não existissem.”
A nível internacional, a WWF colabora com zoológicos em programas de reprodução em cativeiro, o mais icónico é o do panda-gigante. Em Portugal, aponta Catarina Grilo, o programa de reprodução do lince ibérico, neste caso gerido pelo Estado, “é um excelente exemplo” do sucesso destes projetos. “Deixou de estar classificado como espécie em risco para estar apenas na classe vulnerável.” Apesar de tudo, Catarina admite que há “um handicap histórico”. “Muitos de nós visitámos em criança o zoo e nunca mais voltámos. Há que perceber que houve evolução e que aquela biodiversidade é cada vez mais rara.”
Habitats à imagem da vida selvagem
Curiosamente, o Zoo Santo Inácio já nasceu de uma visão moderna, no ano 2000, em Vila Nova de Gaia. Partiu do sonho de uma família, que quis criar um “parque zoológico diferente”. A história é contada por Teresa Guedes, atual diretora. “Foi um projeto do meu pai, tínhamos uma quinta e a oportunidade de mostrar às pessoas uma natureza imensa. Nessa altura, a cultura dos zoos estava a começar a mudar, então criámos um zoo com muito espaço, que permite aos animais correr, saltar, ir para a sombra, para o sol.” Começaram com aves, répteis, pequenos mamíferos, e ao fim de 24 anos moram por lá girafas, rinocerontes, hienas, leões. São mais de 700 animais, de 200 espécies, dos cinco continentes. A educação é um ponto crucial para Teresa, que acredita que “para preservar é preciso sentir, ver ao vivo, nunca vamos proteger aquilo que não conhecemos”. “Temos aqui cerca de 45 espécies ameaçadas e o zoo permite que as pessoas as conheçam e sensibilizar para protegerem os ecossistemas.”
No Santo Inácio, rastreia-se geneticamente indivíduo a indivíduo, partilha-se animais com outros zoos “para reprodução, no sentido de garantir a continuidade da espécie de forma pura e sem consanguinidade”. O trabalho de bastidores é gigante “e é financiado pelos visitantes”. O bem-estar animal está no topo das prioridades. No habitat dos tigres, há um tronco vertical para afiarem as garras. No espaço dos suricatas, foram criados pontos altos para que possam estar de vigia. Os pinguins têm mais do que um nível de profundidade para nadarem, imitando a descida até ao oceano. Os primatas têm estruturas para se balançarem entre árvores. “Estudamos o animal na natureza e tentamos adaptar. Ao longo do tempo vai surgindo mais informação, percebemos que é preciso mais espaço ou mais luz e vamos investindo em alterações.” O mesmo acontece com a alimentação. Dentro da mesma espécie até há dietas específicas para cada indivíduo. Ainda se fazem análises diárias para pesquisar parasitas e doenças. E os tratadores intervêm o menos possível, não se domesticam os animais, para tentar manter o seu comportamento selvagem.
A par disto, o Zoo Santo Inácio ainda apoia projetos de conservação. “Não nos limitamos a expor animais, fazemos muito mais do que isso. Analisamos comportamentos de espécies em ambientes controlados, algo que no meio da natureza não seria possível. Apoiamos no resgate em situações de catástrofe, o que aconteceu agora com a guerra na Ucrânia, num trabalho de cooperação entre zoos. Somos fundamentais no combate ao tráfico animal, em colaboração com o ICNF e o SEPNA.”
Em Portugal, os parques zoológicos que integram a Associação Portuguesa de Zoos e Aquários são visitados por três milhões de pessoas anualmente. Se alargarmos as fronteiras, na Europa, os parques da EAZA recebem 140 milhões de visitas anuais, um em cada cinco cidadãos europeus visita um zoo todos os anos. Paulo Lucas, da associação ambientalista Zero, aplaude o trabalho que tem vindo a ser feito para “chamar a atenção para o problema de extinção” e para preservar espécies ameaçadas. Porém, defende, ainda há caminho a fazer. “Nomeadamente remover da prática de algumas instituições o uso de animais para espetáculos de lógica circense. Para vermos um golfinho, ele não precisa de andar aos saltos com bolas.” Ainda assim, admite que as condições que os zoos oferecem aos animais “melhoraram significativamente” e a legislação nacional (o primeiro decreto-lei nesta matéria surgiu em 2003) contribuiu para a mudança de paradigma.
No Zoo da Maia, Mónica Correia, bióloga, recorda que a lei, que veio depois obrigar os zoos a um licenciamento que exigia uma série de requisitos, foi um dos motores para o melhoramento e ampliação dos habitats dos felinos, das zebras, do leão-marinho. Gerido pela Junta de Freguesia Cidade da Maia (ao contrário do de Lisboa e de Santo Inácio, que têm gestão privada), o zoo não pertence à associação portuguesa nem à europeia, mas é um objetivo candidatar-se. Abriu portas em 1985, era um parque de lazer, até que o Jardim Zoológico de Lisboa lhes cedeu papagaios, surgiu aí a ideia de receber mais animais. Hoje tem 330, de 110 espécies, uma coleção enorme de répteis. “Desde o início, o espaço dos habitats já triplicou, com esconderijos, plataformas, com os animais mais distantes do público, o que lhes proporciona mais bem-estar.”
No caso dos felinos, do urso ou do lince ibérico não há contacto físico com os tratadores, que só entram no espaço quando os animais são atraídos para áreas de recolha. “E trabalhamos o enriquecimento físico, alimentar, cognitivo, sensorial e social”, explica Mónica. Por exemplo, a nível social, juntam espécies do mesmo continente que no meio selvagem é comum estarem juntas. A nível sensorial, “são colocadas fezes de zebras, presas dos leões, misturadas com palha, no recinto dos felinos, para que estejam mais alerta e ativos”. Também escondem o alimento, debaixo de troncos, de pedras, para que os animais tenham de ir em busca. Cerca de 28% das espécies que moram na Maia estão ameaçadas e a sensibilização dos mais novos também é uma preocupação. Há colónias de férias por esta altura, com atividades ligadas ao ambiente. “Quando se diz às crianças que os tigres estão em perigo de extinção, devido à destruição dos seus habitats e porque há pessoas, especialmente na Ásia, que os matam para usarem os órgãos na medicina tradicional chinesa, elas ficam estupefactas.”
Há uma certeza. Os parques zoológicos mudaram, em Portugal, na Europa, no Mundo. Adaptaram-se para melhorar as condições dos animais, e são, hoje, muito mais do que montras de espécies selvagens.