Valter Hugo Mãe

Os galegos


Vivemos tão debaixo dos galegos que sempre sinto um boicote este silêncio acerca das suas coisas. De cada vez que atravesso a fronteira tenho a impressão de chegar a casa da família, para ver algum tio ou primo, para perguntar como estão as crianças, o que sonham, o que querem ser no futuro. A Galiza é um passado nosso. Temos raízes partilhadas e não há como não sentir a semelhança e a ternura.

Julgo que temos culpa. Não sei bem explicar. Mas temos culpa por este afastamento que é todo contra a natureza. Entro no Museu Provincial de Pontevedra e fico a ver as imagens de “Galicia Mártir” de Alfonso Castelao. As comoventes imagens do grande mestre são todas tão próximas de uma dor também portuguesa, uma violência e uma pobreza que entendemos tão bem. Não se justifica que Portugal siga sem expor, sem publicar, sem se ver no espelho galego. O tremendo parentesco com os galegos precisaria de atender-se em maior conhecimento, em maior cumplicidade, em maior companhia. Vejo a magnífica obra de Castelao e sinto mesmo vergonha porque não há ressonância entre nós do que isto significa.

Em toda a parte somos recebidos com alegria e quando procuramos um livro, uma rua, uma memória, quem nos responde abre o sorriso como se fosse uma alegria entregar o que se sabe e o que se tem. Ainda que seja hora da sesta, e tudo se feche igual ao abandono, há sempre alguém a incentivar que esperemos, porque a partir das cinco da tarde o país regressa à rua como à festa.
A Galiza regressa à rua com suas mágoas e sua esperança, e também se encontram mais e mais as provas de que a matriz genuína da região resiste contra a hegemonia de Castela. Eu gosto muito que se publique em galego, se escreva em galego em toda a parte, e gosto muito quando nos falam nessa voz irmã que tantas vezes explica aquilo que dizemos sem reparar.

Seria uma maravilha que a nossa imprensa tivesse lugar para o que estreia em Vigo, em Santiago ou na Corunha. Valeria ouro que nos informassem acerca do prémio da Fundação Manolo Paz, ou de cada poema de Chus Pato, da vista da ponte alta que deita sobre os viveiros de marisco, da chuva que fertiliza o território. Valeria ouro que nos mostrassem o rosto das pessoas e como se aprumam para cada dia, tão perfeitas para serem mais próximas de nós. Tão perfeitas para lhes desejarmos alegria, porque sinto que é exactamente o que também nos desejam. Uma terra assim tem de ser notícia. Tem de ser a nossa notícia.