Em casas, escritórios, hospitais. As paisagens verdes - e tudo o que é natural, desde a luz do sol aos materiais - estão a invadir o interior dos edifícios. No meio de autênticas selvas de pedra como são as cidades, surgem jardins verticais, telhados relvados, mais superfícies vidradas. A corrente chama-se design biofílico e a verdade é que pode mesmo reduzir o stress e a ansiedade.
Esta corrente da arquitetura de interiores não é de agora, mas a pandemia, que nos empurrou para dentro de casa, veio transformar o design biofílico numa tendência pelo Mundo inteiro, que parece ter vindo para ficar. Se traduzirmos à letra, o termo biofilia significa “amor às coisas vivas”. Porém, o conceito é bem maior do que isso. “A ideia é trazer padrões da Natureza para dentro dos espaços, ou para fora, seja com jardins suspensos no último andar dos prédios, com verdes nas varandas. Por exemplo, em Banguecoque, que é uma autêntica selva de pedra semelhante a Nova Iorque, trabalhei num projeto de um prédio que a toda à volta tinha um jardim vertical. Quando as pessoas olham pela janela, não veem outros prédios, mas sim um jardim, o verde”, explica Gracinha Viterbo, designer de interiores.
Dentro das casas, o conceito está a ganhar adesão, segundo a designer, com a criação de jardins verticais numa parede ou “até de pequenas hortas verticais nas cozinhas”. E não, esta corrente não se resume a ter plantas, também entra nas formas e texturas, “com paredes mais curvas, designs mais fluidos, por exemplo umas réguas de madeira nas paredes a criar uma textura”. “Hoje, molda-se muito o design à Natureza, quase como se os espaços criados pelo Homem fossem uma extensão da Natureza.” Há uma explicação para isso, de acordo com Nuno Matos Cabral, também designer de interiores. “O Homem sempre esteve em contacto com a Natureza, só que hoje em dia estamos a viver cada vez mais tempo dentro do edificado. E principalmente com a pandemia, também com a questão da sustentabilidade, começou-se a perceber que precisamos da Natureza.”
Para além da vegetação e das plantas no interior dos edifícios – “que não têm só um fim decorativo, podem contribuir para um melhor ambiente, ajudar a purificar o ar, há umas que absorvem mais o CO2 do que outras, outras que refrescam mais o espaço”, segundo Matos Cabral -, o design biofílico segue outros princípios. A luz natural, com mais superfícies vidradas em detrimento das paredes, “o que também significa gastar menos eletricidade”. A refrigeração dos espaços, “que devem ser pensados de forma a termos janelas que podemos abrir para criar correntes de ar”. E os materiais, “que são cada vez mais naturais, mais amigos do ambiente, nomeadamente madeiras, mármores, pedras”. “Esta é uma corrente que está cada vez mais em voga, especialmente em escritórios. Se pensarmos nos anos 1970, o objetivo era que fossem espaços o mais aproveitados possível, com o maior número de pessoas possível, com luz artificial. Com o virar do século, mudou-se a perspetiva a pensar cada vez mais no bem-estar da pessoa.” O designer dá o exemplo dos escritórios da Amazon em Seattle, uma espécie de floresta dentro de portas, ou melhor, dentro de estruturas esféricas vidradas.
Mas será que a vegetação ou a luz natural têm mesmo impacto no nosso bem-estar? “Absolutamente. Tanto dentro de casa como no escritório. Até ao nível da produtividade, da concentração. Traz-nos relaxamento, descontração. Basta ver que a maioria das pessoas fica relaxada quando ouve o chilrear dos pássaros ou o barulho do mar. É a experiência de viver a Natureza dentro do edificado que se tenta reproduzir”, refere Nuno Matos Cabal. Gracinha Viterbo concorda, diz até que há estudos que demonstram que estarmos rodeados de verdes reduz o stress. “Creio que não é só uma tendência, é uma resposta a uma necessidade humana.”
Menos stress, mais produtividade, a ciência
Vamos, portanto, à ciência. José Palma Oliveira, psicólogo ambiental e social, lembra que “o design biofílico é algo que se tenta testar, nomeadamente na psicologia do ambiente, mas que é sempre difícil”. Ainda assim, indo além da visão filosófica, de todas as novas ideologias que advogam o regresso às coisas naturais e que, sublinha, raramente têm adesão científica, neste caso, parece haver, de facto, alguma sustentação. “A partir dos anos 1970, houve uma investigação em hospitais que revolucionou o mundo científico nesta área. Comparou pessoas que tinham sido operadas e que no recobro, a seguir à cirurgia, eram levadas para quartos com janelas com vista para espaços verdes, com pessoas que faziam o recobro em quartos com janelas para espaços urbanos ou interiores. E o que se demonstrou é que as primeiras recuperavam, em média, um ou dois dias mais cedo.” Desde então, a experiência tem sido repetida, “sempre com resultados altamente consistentes”, em laboratório, em cidades. “Nas últimas duas décadas começou-se a estudar o impacto do verde em ambientes urbanos e semiurbanos, com jardins em casas, cidades, e os resultados demonstraram que há uma redução dos índices de ansiedade, de depressão, que aumenta o bem-estar.”
A pergunta é óbvia: porque é que isto acontece? “Na verdade, quando vemos políticos ou arquitetos defenderem que é preciso aumentar os espaços verdes nas cidades, há uma série de argumentos que usam e a maioria deles são parvos.” Nomeadamente o de que melhora a qualidade do ar. “Para isso acontecer era preciso ter uma árvore por pessoa e que andasse sempre atrás da pessoa. Os ventos, a temperatura e outros fatores têm muito mais influência do que os jardins.” Já no interior dos espaços, defende, até podem ser úteis, “mas a renovação do ar pelas janelas tem mais impacto, porque produzimos mais dióxido de carbono do que as plantas produzem oxigénio”.
Dito isto, a explicação tem mesmo a ver com psicologia. “O verde é bom para a saúde porque diminui o stress, aquela sensação de falta de controlo que temos perante estímulos na nossa vida. As paisagens que têm verde aumentam a perceção de controlo, é um processo psicológico.” José Palma Oliveira reduz o discurso ao verde, às paisagens verdes, e não se refere à Natureza, por uma razão. “O que é que é a Natureza? Não é necessariamente uma floresta virgem e selvagem. Pelo contrário, às vezes uma floresta até pode ser ameaçadora. O que faz a diferença na redução do stress são as tonalidades verdes, são arbustos, são jardins, mesmo que criados artificialmente.”
A realidade é que o verde tem vindo a ganhar terreno no design interior das casas, como nos escritórios ou nos hospitais. “Hoje, os hospitais já não são como nos anos 1990. Mesmo quando não há a hipótese de ter uma janela ou um jardim interior, pode usar-se uma fotografia, uma planta no quarto, um estímulo visual para reduzir o stress. Porque há ganhos.” Então e nos locais de trabalho? A resposta é sim, também aí o verde faz a diferença. “Se olharmos para os escritórios da Apple, da Google, da Microsoft, vemos espaços verdes, espaços zen, sítios que promovem interações não focalizadas entre as pessoas. Porque é aí que muitas vezes surgem as melhores ideias. E claro que tem efeitos na produtividade, caso contrário estes gigantes não investiam.”
Os verdes, a luz do sol, a renovação do ar, os materiais naturais, tudo isso influencia o nosso bem-estar. “Todos os princípios do design biofílico isoladamente têm justificação científica, o que não se pode justificar é a visão ideológica. Esta ideia de que temos um ADN que faz com que só nos sentimos bem na Natureza. Porque a Natureza é muito difícil de definir.”