Os cães dele
Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.
Há umas semanas fui ao jardim, chegado de um dia de trabalho infinito, e ouvi um animal sobre a caruma da mata. Pareceu-me um gato, mas depois percebi que era um bicho mais enérgico, provavelmente um cão. Ao contrário do que costuma acontecer, este não fugiu ao detectar a minha presença, continuando as suas corridinhas entre as árvores. E, quando enfim o descortinei, já um galgo de pêlo fulvo corria na minha direcção – era a Colette.
E não só a Colette. Atrás dela, medindo os passos, vinha o Gauguin. Os dois tinham passado uma quantidade indeterminada de tempo cirandando pelos quintais em volta, e só naquele instante – para imensa preocupação de ambos – nos dávamos conta disso. O que podia ter sido um incidente sem significado se, dias depois, não me escrevesse uma vizinha, no Messenger, aflita com dois cães magrinhos que andavam a fintar os automóveis, e que julgava serem nossos.
Penso que agora não voltam a escapar-se. Todo o dia os vejo através das câmaras que instalámos pela propriedade, e além disso vedações e cancelas foram melhoradas. Mas a verdade é que, desde que o Artur nasceu, e que depois disso abrimos a livraria, os dois passam imenso tempo sozinhos. Isto é: num pomar bonito, cheio de árvores, flores e frutos, rodeados de cheiros e de aventuras, com uma casota perfeita e o alpendre da cabana só para eles. Mas com menos atenções nossas, menos passeios em família e, inclusive, menos protecção contra os elementos, que isto aqui nunca se sabe quando o céu vai desabar nem de que lado atacará o vento.
E agora tenho-os aqui aos dois, um de cada lado do computador que abri sobre as pernas, à espera de que eu possa fazer-lhes uma festa. É pungente. A Colette enrosca-se contra o meu corpo, em busca de calor humano. O Gauguin tem a cabeça em cima de uma almofada, porque sabe que eu gosto de lhe coçar a testa e quer estar preparado. Sinto uma culpa enorme, e eles estão de facto amuados. Mas, ao mesmo tempo, basta-me eu virar a cabeça no sentido deles para que abram os olhos e se posicionem para o mais breve mimo.
Comovem-me tanto que chega a doer. Depois lembro-me do Melville e da Jasmim, os primeiros cães que esta casa teve, e comovo-me outra vez. Quero prometer um passeio para o dia seguinte, mas não sei se conseguirei dá-lo. E só quando finalmente o Artur chega à sala, de banho tomado, e os cumprimenta um de cada vez, tão esfuziante como se não os tivesse visto meia hora antes – “Oiáá!”, “Oiááááá!” -, respiro fundo. Sempre soube que seria ele a compensar a falta que acumulámos neste ano e meio, mas agora esse dia começa realmente a aproximar-se.