O que são e o que fazem os kinkeepers

O termo é estranho, por enquanto, o conceito faz sentido. Pessoas que fortalecem laços familiares, organizam festas, olham por todos, tratam de minudências, são kinkeepers. Quão esgotantes são esses cuidados?

Kinkeeping, a expressão é estrangeira, pouco pronunciada por cá, causa estranheza, não faz parte do vocabulário corrente. A palavra significa o ato de manter e fortalecer laços familiares. A mãe que telefona aos filhos, que já não vivem lá em casa, a relembrar o almoço de domingo. A irmã que organiza a festa de aniversário de uma sobrinha. A filha que telefona frequentemente aos pais para saber se estão bem, se precisam de alguma coisa, que marca as consultas no centro de saúde, que faz o plano para a noite de Natal, que visita os tios que estão num lar. O primo que prepara o convívio de verão para o tão esperado reencontro da família. O irmão que garante a estabilidade familiar, sempre preocupado em evitar conflitos. São kinkeepers, aqueles que mantêm a família unida, coesa, próxima, feliz. Haja a distância que houver. E que os grupos do WhatsApp conectam com rotinas de convívio (férias, festas, visitas).

“Os kinkeepers são fundamentais na manutenção da coesão familiar, oferecendo apoio emocional, preservando tradições e garantindo que as relações familiares se mantenham fortes e significativas”, enquadra Catarina Mexia, psicóloga clínica e terapeuta familiar. São como colas, são como maestros. “A perceção de pertença a um grupo, quer a ‘cola’ desse grupo sejam os laços de família, quer sejam os interesses ou afetos comuns, tem a maior importância para o nosso bem-estar e saúde psicológica. É por isso importante que haja ‘maestros’ na manutenção desses laços”, sustenta Margarida Gaspar de Matos, psicóloga e professora catedrática.

Alberto Lopes, neuropsicológico e hipnoterapeuta, usa o termo “guardiões da história familiar”, que lembram datas importantes, que fazem a ponte entre gerações. “Num Mundo onde a vida corre a uma velocidade vertiginosa, são essas pessoas que mantêm viva a chama das relações, garantindo que os fios que tecem o tecido familiar não se rompam. Eles atuam como verdadeiros guardiões dos laços emocionais, preservando a coesão e a continuidade da história familiar”, afirma.

Marisa Matias, professora e investigadora em temáticas como relações familiares, articulação trabalho-família, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, usa habitualmente a designação “trabalho emocional”, em vez de kinkeeping, para captar essa ideia de tarefas invisíveis associadas à preservação de laços familiares. “Uma dimensão muito importante na vida das famílias é a proximidade emocional (não a física/geográfica que é algo diferente) e a coesão familiar.” “É sobretudo um trabalho de ‘cola’ entre as pessoas, de manutenção de canais de comunicação e de facilitador da proximidade”, sublinha.

São cola e colo também. Para Catarina Mexia, os kinkeepers são “refúgio emocional” que, realça, “oferecem um lugar seguro onde os elementos da família podem encontrar apoio, desabafar e sentir-se compreendidos, o que é muito importante para o bem-estar mental e emocional.” São mediadores também, evitam que pequenos desentendimentos se transformem em grandes problemas.
Sem kinkeepers, o risco de os laços enfraquecerem e as famílias se desintegrarem aumenta. Perdem-se referências. “Sem essa ‘cola’ que une, o perigo é que cada um siga o seu caminho, vivendo vidas paralelas e desconectadas. O afastamento torna-se quase inevitável e o sentido de pertença e comunidade, fundamental para a nossa identidade e bem-estar, pode desaparecer”, adianta Alberto Lopes. Perdem-se relações, perdem-se oportunidades de contacto, perde-se a transmissão de conhecimentos e valores.

E pode haver ruturas. “Esse desligamento desta unidade essencial na formação de cada um, nas suas mais diversas formas, pode resultar numa perda significativa de apoio emocional, cultural e social, deixando os membros da família mais vulneráveis ao isolamento e à falta de um sentido mais profundo de pertença”, destaca a psicóloga Catarina Mexia.

Delicado, invisível, e pouco valorizado

Kinkeeping é um conceito sociológico que começou a ser utilizado em meados do século XX e que a socióloga canadiana Carolyn Rosenthal usou e detalhou num artigo científico, há quase 40 anos, em que abordava os esforços dos kinkeepers no apoio emocional da família e no sentimento de pertença.

Os kinkeepers são essencialmente mulheres. A gestão emocional das famílias é sobretudo um trabalho feminino. “É esperado que as mulheres, muitas vezes as mães ou cuidadoras, assumam também esta responsabilidade de manter a união e proximidade entre os membros da família, que preparem os momentos importantes, as comemorações, que se lembrem dos aniversários, que antecipem a compra dos presentes. É com elas que se discutem questões familiares, é a elas que se recorre para atualizações/novidades sobre os elementos da família, etc.”, lembra Marisa Matias.

É uma questão cultural, de expectativas sociais, quase como uma extensão natural, heranças antigas. “Historicamente, as mulheres foram educadas para serem as guardiãs do lar e do afeto, o que as tornou mais propensas a assumir essas responsabilidades”, comenta o neuropsicólogo Alberto Lopes, que, no entanto, considera que esse papel deve ser uma responsabilidade partilhada. Catarina Mexia acredita que assim será. “A reformulação constante da família tradicional, fruto de separações, divórcios, faz com que cada um dos elementos da família original procure manter ligações a rituais, tradições e cultura da sua família de origem, sendo que os homens estão cada vez mais, fruto das circunstâncias, a assumir este papel.”

Para Marisa Matias, este trabalho, que marca o passo e o ritmo das famílias, é imenso e, muitas vezes, invisível e pouco valorizado. “O que o torna ou pode tornar esgotante é a sua invisibilidade e subsequente falta de reconhecimento. Sendo um trabalho que implica esta gestão de relações é naturalmente delicado”, salienta. “Esta atividade, este cuidado emocional, embora podendo ser gratificante para quem o executa, acrescenta uma carga mental e emocional importante, podendo ser esgotante. Sobretudo se considerarmos que se vai acumular a um outro conjunto de tarefas associadas ao papel de género feminino, como o desempenho das restantes atividades domésticas e de prestação de apoio e cuidado às crianças e a outros elementos da família”, observa a professora e investigadora da Universidade do Porto.

Não deixa de ser um trabalho emocional, feito por gosto, espera-se, e não por obrigação. Depende da perspetiva de cada um, circunstâncias e apoios, constata Catarina Mexia. “Embora possa ser esgotante, também pode ser uma fonte significativa de satisfação e propósito. A sobrecarga emocional, o peso da responsabilidade, a falta de reconhecimento, a gestão da vida pessoal, são fatores que contribuem para que este seja um papel vivido com desconforto. Já a satisfação pessoal, a criação e manutenção de laços profundos, a capacidade de mobilizar a família para trabalho de equipa em momentos-chave, e o reconhecimento pessoal e de terceiros deste papel como uma expressão de amor e carinho, contribuem para que o esforço inerente seja mitigado.”
Para Margarida Gaspar de Matos, é necessário responder a uma pergunta: ser kinkeeper com sentido de obrigação e de controlo ou com genuíno prazer e usufruto? “Se é uma atividade stressante ou não, depende do equilíbrio custo-benefício do que os kinkeepers dão e retiram da sua atividade”, diz.

Cada um assume a tarefa à sua maneira. “Para alguns, é uma missão nobre, um ato de amor que traz imensa satisfação e sentido à vida. Para outros, porém, pode ser visto como uma carga, uma responsabilidade constante que se torna pesada ao longo do tempo”, refere Alberto Lopes. Por amor ou por obrigação. Que desgasta ou que preenche. E isso faz toda a diferença.