O nosso lugar
Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.
Esta coisa de as pessoas repetirem tanto: “É num instante…”, na melancolia de quem sente que o tempo as foi tornando acessórias na vida dos filhos, tem o seu quê de inquietante. Primeiro, porque parece transversal, um sentimento que atravessa todos os pais em algum momento da vida. Depois, porque o fervor com que eu tenho vivido a paternidade não sugere que serei menos vulnerável a isso do que a maioria.
Por ora, ainda não houve um momento em que eu sentisse que o melhor já tinha passado. Todos os dias, desde que o Artur nasceu, foram melhores do que os dias anteriores e muito melhores do que os dias antes desses. É verdade que os riscos de ele partir a cabeça subiram quando começou a andar, mas eu também passei a poder depositá-lo sobre os seus próprios pés para – sei lá – atar os sapatos, tirar uma garrafa de azeite da prateleira ou ir tratar dos cães.
E o mesmo com quase tudo o resto. Neste momento, o meu filho está a tentar perceber se forçar um choro invectivo, daqueles que se atiram à cara dos outros, lhe permite levar a sua avante. Enerva que se farta, e é preciso um esforço para uma pessoa continuar a olhar para ele, impávida, “O papá não tem medo desses gritos, Artur”, até que desmobilize.
Mas, ao mesmo tempo, esta é a fase em que ele vê a mãe chorar, como aconteceu há dias já nem sei a propósito do quê, e vem do fundo a sala a correr, todo redondinho, bate aqui bate acolá, até se fundir com ela num abraço. É a fase em que eu lhe pergunto: “Quem é o amigo do papá?” e ele grita: “É o Tatuuuu!” É a fase em que vamos os dois no carro e, procurando o meu rosto no retrovisor, ele começa a dançar ao som do que quer que esteja a passar no Spotify, puxando por mim.
Gosto de tudo neste tempo que vivemos. Gosto de ouvi-lo gritar para o Paulo: “Paulo! Paulo! Paulo!” Gosto de vê-lo comer sopa à colher sem derramar uma gota. Gosto de estar a tratar da loiça na livraria, no fim do expediente, e de ele me trazer as peças espalhadas pelas mesas, uma a uma. Gosto de vê-lo tentar andar de bicicleta sozinho, mesmo que os seus pés nem cheguem aos pedais, mas que depois vamos atravessar a rua e ele lance o braço na minha direcção: “Mão.”
Com o Artur, até hoje, foi sempre a melhorar. Pergunto-me como será no primeiro em que isso não acontecer. Mas também me pergunto se alguma vez me sucedeu ter tal sensação na vida? Alguma vez, apesar dos altos e baixos, eu tive a impressão de que o melhor já tinha ficado para trás? Ou é este menino de caracóis loiros e independência exultante que me está a dar cabo do sentido das proporções?