O momento errado
Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.
Nunca é o momento certo para nada, explicarei. Nunca é um bom momento do ponto de vista do teu trabalho, nunca é o momento ideal do ponto de vista da tua família, nunca é o momento conveniente do teu próprio ponto de vista. A tua saúde já conheceu melhores dias. O teu ânimo também. Talvez as tuas finanças melhorem – quem sabe nessa altura não será o momento?
Este ano é que não dá, porque o teu filho vai para a faculdade, ou a tua mulher passa à reforma, ou tu próprio andas à procura de um emprego mais seguro (ou tens um mas precisas de outro). Não importa: não é o momento certo. Nunca é.
Nem para trocar de profissão, nem para mudar de estado civil, nem para ter um filho, nem para criar uma empresa. Nunca é o momento para escrever um livro. Tive um amigo que toda a vida foi “o escritor” de serviço porque escreveu um livro na juventude: nas três décadas seguintes, nunca encontrou o momento certo para escrever o segundo.
“Fui quase advogado, quase professor, quase escritor, quase músico, quase político”, resumiu-me um dia. Mas isso foi numa noite em que estava com os copos, o que não era frequente. Normalmente, passava a jornada em busca de oportunidades de ajustar contas com aqueles cuja simples existência, nos seus pesadelos, desvendava esse segredo: que não chegara a ser nada do pretendera.
A verdade é que nunca tinha encontrado o momento certo para concretizar essas coisas. Quando quisera ser advogado, já estava a dar aulas; quando quisera ser professor, tinha começado a escrever; quando quisera ser escritor, acabara de reencontrar os amigos com quem dividira as guitarradas da adolescência. Nunca era o momento certo.
Lembro-me muito dele, o homem inconcretizado. Contava histórias mirabolantes, que se ele quisesse até davam um belo livro. “Já está escrito, só falta passar para o papel”, dizia, numa apologia impante, como um dia lhe dissera (por comiseração) um escritor a quem as contara até ao fastio. Nunca tinha sido o momento certo de as passar para o papel porque passar para o papel já era uma tarefa menor.
E é isso que um dia eu explicarei ao Artur. Tanto me ensinou a idade: a diferença entre o que existe e o que é apenas mitomania está em passar para o papel. “Nunca será o momento certo para passar para o papel, filho. Portanto, vais ter de passar para o papel no momento errado.”
Quando não der jeito, quando for duro, quando doer: essa é a altura de escrever um livro, ou de mudar de profissão, ou de criar uma empresa, ou de ter um filho. “Aí, sim, mudarás o Mundo, meu amor.”