Margarida Rebelo Pinto

O lugar do abraço


Outubro é profícuo em comemorações, no primeiro dia do mês celebrou-se o Dia Internacional do Idoso, cujo lema deste ano é “Envelhecer com dignidade”. Em Portugal, cerca de um milhão de pessoas vive só, mais de metade são idosos. Portugal é o quarto país da UE onde a solidão é maior. Eis um dos grandes flagelos das sociedades ditas evoluídas, uma epidemia sem cura à vista, a existência de quem vive só é povoada por memórias, fantasmas e receios. As fotografias nas molduras, comidas pelo sol e pelo tempo, relembram momentos que marcaram uma vida: o baile de formatura, o dia do casamento, batizados, festas de família, recordações de férias, netos, sobrinhos, afilhados, entes queridos que já partiram. Os baby boomers e a geração X gostam de fotografias em papel. À medida que vamos envelhecendo, elas multiplicam-se, ou porque queremos emoldurar a vida, ou porque as herdamos de casa dos nossos pais. À força de serem muitas e de o nosso olhar se cruzar com elas diariamente, deixamos de as ver. Mas em certos dias, quando a solidão se torna ruidosa, pegamos nelas e recordamos aquele dia com carinho.

Nos últimos anos habituámo-nos a guardar tudo no telefone. É prático e ecológico, não ocupa espaço nem ganha pó, e encontramos o que pretendemos em poucos segundos. Se queremos recordar um determinado dia, procuramos pela data ou por um pormenor de paisagem ou de vestuário. Escrevemos praia ou chapéu, por exemplo. Planeamos fazer impressões em papel, o que quase nunca acontece. O hábito vai-se perdendo, da mesma maneira que nos esquecemos de escrever cartas e de enviar postais de boas festas. Substituímos o papel pelas mensagens virtuais e a caligrafia pelo teclado.

“No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, eu era feliz e ninguém estava morto”, escreveu Fernando Pessoa, que era, como todos os poetas, frequentemente atormentado pela ideia da morte. Sem ter vivido o suficiente para chegar sequer à meia-idade, escreveu, “sou mais velho do que sou”. Talvez a certeza da finitude lhe assolasse a alma como um pântano. Por via do silêncio a que estão condenados todos aqueles que vivem para a palavra escrita, viver todos os dias cansa. Mas acredito que a solidão cansa mais do que a vida e quase tanto como a doença. Acredito que os nossos pais e parentes mais velhos irão viver o tempo que passarmos com eles. Acredito no mágico e insubstituível poder regenerativo que as gerações seguintes têm nas anteriores; os sobrinhos, os filhos, os netos, os bisnetos. Acredito que todos aqueles que estão para vir terão o seu papel fundamental no fortalecimento da estrutura social primordial que se chama família. E que a família escolhida, a quem chamamos amigos, nos afasta da doença e da morte.

Nada ganha o lugar de um abraço, de uma conversa, de um passeio pelo jardim da vida, desfiando memórias do passado ou partilhando sonhos para o futuro.