O futuro, agora como em 1994
Vai para 30 anos que o jungle extravasou o meio que o gerou. Um meio britânico, de caribenhos de segunda geração, de apaixonados pela crescente portabilidade da instrumentação eletrónica, pelo hip-hop, pelo house, pelo tecno, pela aceleração. Tornando-se uma linguagem musical cativa na cultura popular, sobretudo nas discotecas e em raves – e tendo, cedo no percurso, adquirido uma denominação mais abrangente, drum and bass. Nem o jungle clássico, nem a produção contemporânea, perderam o ADN futurista, ora sombrio, ora utópico, ansioso pelo amanhã. Um ADN traduzido num denso tricotado de batidas quebradas, linhas de baixo supra-humanas, vozes e sintetizadores interplanetários.
O jungle clássico continua a ser bem tratado, e “Anemones” (Planet Mu) é um estupendo exemplo. Por trás do nome Xylitol está a produtora e DJ britânica Catherine Backhouse, com percurso de décadas nos clubes de dança (como DJ Bunnyhausen), também radialista (“Slav to the rhythm” é um programa e uma noite dançável dedicados à música eletrónica e popular da antiga Europa de Leste) e a preparar um livro sobre a cultura pop na antiga Jugoslávia. A sua discografia é abundante e difícil de acompanhar, espalhada por cassetes, mp3, CD-R, singles em vinil.
“Anemones” tem o galopar sôfrego e abstrato do jungle no centro de quase todas as 11 faixas. Muitas vezes em primeiro plano, e volta e meia como cenário para peças mais contemplativas. Num delicioso, e deliciosamente familiar, conflito de estados de espírito, arranjos quase ambientais convivem com o ribombar das batidas, aproximando-se das produções de Aphex Twin, com o zénite nos nove minutos de “Moebius”. Noutras ocasiões, caso de “Okko”, os ingredientes alinham-se para um ataque sónico cerrado mas com opulência de elementos. Noutras ainda, Xylitol baixa a pressão e estuda texturas e paletas. E ainda há tempo e talento, em “Dobro jutro”, para piscar o olho ao 2-step, descendente mais desanuviado e urbano do drum and bass; e, em “Dasa”, para cumprimentar um primo americano mais nervoso, o footwork. Um álbum em que os ritmos quebram, torcem-se e transfiguram-se.