Margarida Rebelo Pinto

O amor não se encomenda


Quando o investigador Geoffrey Hinton abandonou a Google, em maio de 2023, alertando para os perigos da Inteligência Artificial, o Mundo não lhe deu atenção. No início de outubro de 2024, recebeu, a par com o investigador John Hopfield, o prémio Nobel da Física, pelo seu trabalho no desenvolvimento de redes neuronais artificiais nas quais se baseiam todos os sistemas de IA. A atribuição do prémio aos “padrinhos” da IA deveria abrir os olhos para o caos que nos espera.

Hinton repete uma clássica ironia da história da Humanidade, a de um génio arrependido das suas façanhas. Penso em Oppenheimer e em Einstein, porque é inevitável não ligar os pontos. Enquanto a IA avança no campo da medicina e em tantos outros a bem da Humanidade, também está ao serviço da maldade. “É difícil perceber como é que se poderá evitar que maus agentes usem isto para maus fins”, afirmou Hinton numa entrevista ao “The New York Times”. A IA para maus fins é algo inevitável e já está a acontecer por toda a parte e em todas as escalas, da fraude caseira ao cibercrime organizado. Quando as máquinas são mais inteligentes do que o homem, mas sem valores nem coração, sem empatia nem compaixão, o que aí vem não pode ser bom.

Numa visão futurista, podemos antever ferramentas da IA habilitadas a escolher o parceiro ou parceira ideal para o número cada vez maior de pessoas sós, que sonham ainda com uma das falácias mais antigas das narrativas universais: o encontro mágico com a alma gémea. Submetendo o amor ao novo deus sem religião nem ética que se chama algoritmo, é fácil antever um casamenteiro virtual, aplicado em encontrar aquela que se encaixa com a nossa. Perante tal ferramenta, aplicações como o Tinder vão parecer-nos artefactos primitivos da Idade da Pedra. A aplicação mais popular de encontros terá, alegadamente, evoluído de um campo pantanoso e estéril dos contactos ao estilo toca-e-foge para um lugar de namoro e de compromisso. A confirmar-se, não foi a aplicação que mudou, mas os seus utilizadores, fartos até ao tutano do modelo das relações descartáveis.

Segundo um estudo levado a cabo pela Universidade Stanford, em 2023, que recolheu e analisou dados estatísticos para perceber a evolução dos contextos nos quais os casais se conheceram no último século, os amigos lideraram durante mais de 50 anos a lista, entre 1945 e 2011. Com a explosão das redes sociais, o ano de 2012 virou o jogo até aos dias de hoje. Em 2024, a percentagem de casais que se conhece via online ultrapassa os 60%.

São dados como estes que me fazem sentir ultrapassada, orgulhosamente só, no reduto dos 40% que sobram. Não acredito em sites de encontros e muito menos na eficácia de um conselheiro amoroso que nem humano é. Ainda ponho toda a minha fé na capacidade humana única e insubstituível de conhecer um grande amor na porta giratória de um hotel secular ou na fila da lavagem automática em uma qualquer estação de serviço. Nem o Tinder nem nenhuma ferramenta de IA conseguem prever a química entre dois seres humanos e dos triliões de células que, por magia, se ligam e se comunicam.

O amor não se encomenda, como quem compra suplementos ou livros. E não se procura, encontra-se. Palavra de escritora.