Valter Hugo Mãe

Ney Matogrosso


Eu acredito que Ney Matogrosso é uma arara sagrada. Uma ave que veio das matas misturada com algum milagre e virou quase gente, mas muito mais do que gente. Ney é um super-herói, uma figura de quadrinho, um ser lendário que pode ser debatido só como mitologia, mas ninguém vai poder dizer que entendeu por inteiro ou, sequer, que acreditou por inteiro. Ele é inacreditável.

Uma arara sagrada pode ter dois metros e educar sua voz para ser mutante, entre homem e mulher e fazer ver cor, ouro, tudo luzindo quando só fala. Eu não considero normal que Ney ainda mexa como mexe. A dançar em palco cheio de suas exuberâncias, peles de bichos divinos, animais por inventar que ele traz de algum planeta perfeito, de algum coração perfeito.

E sua perfeição tem perigo. Igual à fera que em algum momento pode atacar. Ficamos à mercê, até imbecis, sem querer fugir. Toda a vida o bicho pega, quer fiquemos quer corramos. Não há como não ser devorado por um predador assim. Chegar perto já é ter entregado tudo, estar simplesmente aos pés.

A passagem de Ney Matogrosso por Portugal foi uma estação do ano própria. Uma coisa que movimentou a Terra em seu próprio ritmo, um ritual da mata que levou dia e noite para outro lugar. Quem viu os concertos não fala em outra coisa e recusa voltar ao quotidiano. Andamos todos de olhos escancarados, raios laser saindo como gatos entre as pestanas, pousando sobre nossos ombros feitos cristais ou diamantes. Quem viu o Ney não consegue desver e não vê direito mais nada.

Quando éramos meninos, em frente à TV, pensávamos que seria proibido fazer como Ney Matogrosso. As pessoas da escola, as da nossa pracinha pequena, aquelas que iam ao jardim e à pastelaria, jamais teriam autorização do Governo para vestir uma tanga de quase nada e balançar missangas ou sementes, plumas e tecidos belos, sedas e jóias. Pensávamos que os super-heróis comiam um vírus e acontecia uma metamorfose magnífica para eles serem de outra maneira. Uma maneira única. E ver o Ney ou a mulher maravilha, o Ney ou o Thor, era a mesma coisa de transcendente. Com a probabilidade – jamais a garantia – de Ney existir de verdade.

Eu fico sempre embasbacado com o facto de Ney existir de verdade. Tanto que se alguém começar a duvidar, eu mesmo tendo estado lá, duvido de imediato também. Vou duvidar até morrer.