Mensagem de boas festas: tradição ou obrigação?

As cartas ou os postais deixaram de ser o método escolhido para felicitar família, amigos e colegas na época de Natal e do Ano Novo. Um ato personalizado deu lugar a uma ação mecânica e massificada. Lidar com a montanha de mensagens de boas festas pode não ser fácil, mas, dizem os especialistas, não tem de ser uma obrigação.

A época festiva passou a ser um paradoxo. Se, por um lado, Inês Machado desejava que, ano após ano, aquele fosse o Natal em que se desligava do telemóvel para se focar na família, era o oposto que acontecia. Ano após ano, as semanas em torno das festividades eram passadas com mais azáfama, ansiedade e preocupações do que no restante ano – especialmente no par de horas antes da ceia natalícia. “Enviei mensagem a todos os colegas? Desejei bom Natal no grupo de família? E àquelas amigas da escola?”

E, já depois de se questionar se teria enviado mensagem a quem queria, vinha a irritação em ver notificações por responder. “Houve anos em que chegavam a ser duas ou três dezenas de pessoas diferentes, a mandar mensagem, e às quais eu sentia que não tinha capacidade de responder.” Este ano, o primeiro Natal em que é mãe, quer fazer diferente. Inês, de 31 anos, administrativa numa empresa em que contacta com perto de uma centena de colegas, decidiu que não haverá mensagens de Natal ou Ano Novo. E já o vem dizendo aos colegas de trabalho mais próximos e aos amigos e família com quem se vai cruzando.

A sensação partilhada pela bracarense não é única. Alberto Lopes, neuropsicólogo, descreve o mesmo paradoxo referido por Inês: “Chega a dezembro e há um turbilhão de festas e de apelo à união, mas que, na verdade, trazem consigo alguns efeitos nefastos”. Estes “efeitos nefastos” são, principalmente, a ansiedade causada pela pressão sentida nesta época. As mensagens de boas festas e a vontade de não deixar ninguém de fora dos nossos desejos para o próximo ano é parte dessa pressão.

Fim do ato humanizado

“Mas estas mensagens são uma tradição ou uma obrigação?”, questiona Alberto Lopes. “Efetivamente, a ideia de desejar boas festas, num postal enviado pelo correio, era uma tradição intencional.” Fazer o postal à mão, escrevê-lo para aquela exata pessoa, personalizá-lo, enviar semelhantes a um grupo restrito de pessoas. Tudo isto tornava a mensagem de Natal “um ato humanizado e pessoal”. Ao contrário daquilo que se faz hoje em dia.

“Com o surgimento dos telemóveis começamos por trocar as cartas por uma chamada telefónica. Agora, a grande maioria fica-se pelas SMS ou mensagens por WhatsApp”, tornando o que era uma tradição numa “tarefa mecanizada”. Mensagens curtas e sem profundidade, copiar e colar o conteúdo de uns para os outros destinatários, responder sem intenção. O neuropsicólogo afirma que se “perdeu o lado humano, pessoal e genuíno com a massificação de uma mensagem que devia ser pessoal”.

“houve anos em que chegavam a ser três dezenas de pessoas a mandar mensagens às quais não tinha capacidade para responder”

obriga
Inês Machado

Em consulta, conta o profissional, já teve até um paciente que desabafou ter ficado incomodado quando percebeu que tinha recebido uma mensagem de telemóvel, a desejar bom Natal, com o nome trocado. “Apercebermo-nos dessa impessoalidade é frustrante e retira todo o sentir de enviar uma mensagem de boas festas.”

Já o psicólogo clínico Fernando Mesquita destaca a pressão de desejar boas festas àqueles com quem não nos damos bem ou o receio de esquecer alguém importante na nossa vida. Tudo isto a somar à ansiedade para comprar as prendas certas, para chegar a acordo com o parceiro ou parceira sobre as festas ou para se preparar para estar com um familiar com quem não temos uma boa relação.

É impossível desligar

Por todas estas e outras preocupações, o Natal, que, tal como se desejaria e como Inês Machado tanto almejava, devia ser um momento de ligações pessoais e humanas, acaba por ser o momento mais difícil do ano para “desligar”. “As redes sociais vieram facilitar a tarefa de estarmos próximos e desejar boas festas independentemente do tempo e da distância, mas, por outro lado, fazem com que sejamos invadidos ou que invadamos o espaço e o descanso dos outros.” Além das mensagens, Fernando Mesquita sublinha as comparações potenciadas pelas redes sociais – especialmente nesta época.

“As redes sociais vieram facilitar a tarefa de desejar boas festas, mas fazem com que sejamos invadidos ou invadamos o espaço do outro”

Fernando Mesquita
Psicólogo clínico

Alberto Lopes faz a mesma leitura. “Há uma necessidade de sentir que somos vistos e reconhecidos que se exacerba no Natal e no fim do ano.” Esta pressão acrescida pode notar-se particularmente, acrescenta o neuropsicólogo, no círculo familiar. A pressão para corresponder às expectativas aumenta no seio da família, pois é nesta que, desde cedo, “aprendemos o valor das tradições”. “O Natal e o Ano Novo trazem consigo um peso emocional e é mais fácil, perante este peso, sentirmo-nos culpados por uma ação que achamos que pode ter magoado o outro.”

No entanto, nos momentos em que este sentimento aparece, deve ouvir-se a “voz interna”, sugere Alberto Lopes. “Devemos questionar-nos se a culpa de não mandar aquela mensagem ou de não responder é mesmo nossa, ou se foi colocada pela pressão que sentimos dos outros.” Se a resposta for a segunda, o ideal é repensar se queremos mesmo enviar essa tal mensagem. Ou se, para o nosso bem-estar, devemos fazer um esforço de nos desligarmos e deixarmos respostas por dar.

“Sentir obrigação em responder e estar constantemente a verificar o telemóvel”, para que nada escape, é normal, considera Fernando Mesquita. “Faz parte da natureza humana querer agradar ao outro e, efetivamente, há pessoas que ficam magoadas por não terem recebido uma mensagem.” Ainda que possa parecer uma preocupação menor, realça, “há pacientes que têm padrões autopunitivos ou ruminantes e que qualquer acontecimento, como uma mensagem, pode impactar o seu bem-estar mental”. O conselho do psicólogo é pensar que “fizemos aquilo que sabíamos e sentimos ser o correto na altura”.

Assertividade é chave

Passado o tempo das festas e tendo optado por não enviar boas festas, se houver um confronto com alguém que ficou magoado por não ter recebido uma mensagem ou uma resposta, é necessário “desresponsabilizar”. “Devemos pensar que não é algo pessoal e que a reação exacerbada do outro diz mais sobre ele do que sobre nós.” Para evitar estes potenciais confrontos, Fernando Mesquita aconselha a trabalhar a assertividade, avisando de antemão que não se irá desejar boas festas. Esta demonstração de “limites saudáveis”, como descreve o psicólogo, é exatamente a estratégia escolhida por Inês Machado.

Um conselho deixado pelo neuropsicólogo Alberto Lopes é regressar à tradição. Escolher um grupo restrito de pessoas a quem queremos realmente dizer algo intencional e sentido e enviar-lhes postais de Natal. “Este gesto acaba por ser em si mesmo uma prenda.” Salienta ainda a mensagem a reter para que se consiga lidar de forma mais suave com a pressão da época natalícia: “Nem sempre vamos conseguir corresponder à expectativa dos outros”.

“Chega a dezembro e há um turbilhão de festas e de apelo à união que, na verdade, traz consigo efeitos nefastos”

Alberto Lopes
Neuropsicólogo

Quanto às mensagens de Natal que se impõem quase como uma obrigação, o profissional de saúde mental lembra que “o valor de uma relação próxima e verdadeira não depende do envio de uma mensagem particular”. “Não são as mensagens em si que nos deixam ansiosos, é a ideia de que somos obrigados a cumprir um certo padrão.” Quando, na verdade, não somos. “Não devemos fazer algo que não nos faz sentir bem”, resume. Por isso, o conselho é “parar por umas horas antes de enviar ou responder” a uma mensagem de boas festas. “Depois disso, tudo parecerá menos urgente.”