Joel Neto

Machos & fêmeas


“Ah, claro, ele quer a mãe!”, suspira uma senhora que eu agora já não seria capaz de identificar, e que a certa altura ouve o meu filho carpir pela Marta. “Percebe-se…”, comentam várias outras, numa foto que publico no Facebook (penso que foi no Facebook) na qual o garoto está na praia, com a cara suja de areia, e a que eu acrescento uma legenda qualquer em que deixo escapar que a Marta viajou em trabalho e ficámos os dois sozinhos na ilha.

E isto para não falar dos olhares que recebemos no Canadinha, nesses dias em que as miúdas da ginástica têm competições no continente. Para agravar, costumamos ser três, eu e o João debruçados sobre a língua estufada e os chicharrinhos fritos, o Artur espalhando sujidade na roupa, por cima da mesa, até quatro mesas de distância. A certa altura é tanto o lixo, e tão inapelável, que pai e avô se põem a trocar galhardetes sobre o pão da Sra. Adelaide, o mais despreocupados que se conseguem fingir, a ver se se conclui o tormento.

Oh, como as senhoras olham para nós. Novas e velhas, ricas e pobres, clientes e empregadas: que compreensão naqueles olhares. Que diversão espreitando dos seus meios sorrisos – que alívio.

Porque um homem a tentar tratar de um bebé, de colo ou já cambaleante, tem sempre graça. Os seus esforços chegam a ser tocantes: o modo como abre o iogurte com os dedos grosseiros, o jeito trôpego com que se põe à procura do babete no saco, o voluntarismo com que tenta contrariar uma súbita falta de apetite, naquelas momices forçadíssimas ao fim das quais o miúdo volta de facto a comer, mas mais por pena do velho do que outra coisa.

Alguma coisa estaria definitivamente errada, no entanto, se esse homem fosse até ao fim sem falhar. Quando ele finalmente desliga, ou deixa cair um prato ao chão, ou não evita que o bebé se engasgue, ou outra aselhice qualquer – nesse momento há algo na ordem do mundo que se recompõe. Por muitas palmadinhas nas costas que o seu empenho mereça, a sua incompetência fundamental acabará por vir ao de cima. E, se a alguém parecer que não vê, é porque esse alguém não está a olhar como deve ser.

Evidentemente, é fácil um homem querer que isto venha de um mau sítio, como por exemplo o de todas as mães se sentirem ameaçadas quando algures nas redondezas um pai exibe um mínimo de auto-suficiência. Ou então do sítio mais benigno de todos, isto é: das décadas e séculos e milénios que a fêmea leva a ser menosprezada pelo macho, até que não lhe reste alternativa senão agarrar-se ao que ainda tem.

Por mim, faço questão de pôr tudo nas mãos da biologia. E, quanto ao resto, só consigo prometer que para a próxima serei mais incompetente ainda.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)