Jorge Manuel Lopes

Isto é jazz?


Nos 14 anos que já levam, os canadianos BadBadNotGood têm-se dado bem a existir numa zona de intersecções que é uma marca distintiva da música popular no século XXI. Aplicando a sua formação no jazz e gostos enciclopédicos em composições que pouco ligam a fronteiras, rapidamente chamaram a atenção de autores de hip-hop, em especial Tyler the Creator, Kendrick Lamar e Ghostface Killah, mas também de parceiros de fusões como Frank Ocean e Kaytranada.

Atualmente, a banda tem no núcleo os multi-instrumentistas Al Sow (sobretudo bateria e sampler), Chester Hansen (baixo e teclados) e Leland Whitty (sopros e guitarras). Uma única semana de gravações em Los Angeles, em fevereiro deste ano, resultou nas 18 canções de “Mid spiral” (XL/Popstock), lançadas inicialmente em tranches de seis faixas nos EP “Chaos”, “Order” e “Growth”. Um corpo de trabalho instrumental, com o hip-hop fora de cena.

Que caos se encontra no lote de temas de “Chaos”? Nada de ostensivo. As composições tanto partem do jazz-funk com ares de Brasil, como do groove planante de uma América de espaços abertos cicatrizados pelo sol, não muito distante dos texanos Khruangbin. Apenas a guitarra densa que se eleva num solo cósmico no tema título gera alguma inquietação, que se repete quando “Last laugh” acelera em direção ao rock. Há ordem nos oito passos de “Order”? Sim, se entendida como um entusiasmante e harmonioso diário musical do continente americano, onde há espaço para passagens mais tradicionalmente jazzísticas, mergulhos jubilantes no samba e lounge. Também contém o momento sublime de “Mid spiral”, uma viagem intitulada “Sétima regra” onde cabe jazz espiritual, um tricotado de fusão dançável, metais, percussões e teclados em estado de funk e abandono físico. E “Growth”, demonstra crescimento? Demonstra, pelo menos, uma síntese apaziguada das linhas com que se cosem os BadBadNotGood em 2024: o jazz como uma casa de portas e janelas escancaradas, melodioso, vívido, dinâmico, com rhythm and blues nos alicerces.
Por toda a parte, ouve-se um híbrido que parece absorver e projetar espaços físicos ao relento, dias e noites, a meteorologia. E sim, isto é jazz.