Foi a cara do MRPP e a saída do partido ainda lhe é tema “doloroso”. Dedica a vida a causas que parecem perdidas. Diz ter a obrigação de erguer a voz de quem não a tem. Ama a ilha de Porto Santo.
Quando a Associação ProPública – Direito e Cidadania lhe comunicou a recente atribuição por unanimidade do Prémio Mandela 2024, António Garcia Pereira ficou surpreendido e honrado. “Significa o meu comprometimento em continuar no caminho que tenho vindo a percorrer, daqui em diante à sombra de uma grande personalidade como Mandela, uma das minhas grandes referências pela sua estatura moral, cívica e política”, explica à NM.
Filho de um alentejano professor de liceu que teve como aluno Marcelo Rebelo de Sousa e de mãe com raízes na ilha madeirense de Porto Santo cujo pai foi ministro das Finanças na I República, Garcia Pereira recorda a primeira vez em que um episódio de injustiça o fez questionar sobre o que queria para o Mundo. “Tinha nove anos e fui visitar à prisão do Aljube um tio que participara no fracassado Golpe de Beja. Não o reconheci de tão desfigurado que estava devido à tortura do sono que lhe havia sido aplicada em duas sessões de oito dias e oito noites”, lembra.
O episódio marcou-o e levou-o a participar em ações contra o regime ainda durante o Ensino Secundário. Quando entrou para a Faculdade de Direito, intensificou a atividade política. “Era brilhante, foi um dos melhores alunos do seu curso”, recorda a ex-eurodeputada Ana Gomes, colega de curso de Garcia Pereira.
Viu a três metros de distância o “grande amigo” José Ribeiro dos Santos ser assassinado à queima-roupa pela PIDE.
Aderiu ao MRPP apenas depois do 25 de Abril, tornando-se uma das principais figuras do partido maoista fundado por Arnaldo de Matos. Membro do Comité Central a partir da década de 1980, durante cerca de quatro décadas foi o principal rosto do movimento, encabeçando várias candidaturas, inclusive às presidenciais de 2001 e 2006. Em 2015, afastou-se após ter sido violentamente criticado e atacado por camaradas. Ainda lhe custa falar dessa época “profundamente negativa e negra”, segundo descreve. Apesar de tudo, não se arrepende dos anos que deu ao MRPP. “Foi uma escola de vida e de luta política marcante”, sublinha.
A atividade política foi sempre conciliada com a advocacia, em especial o Direito do Trabalho. “Foi dos primeiros juristas portugueses a investir nessa área”, afiança Ana Gomes. “Dá a cara por processos que provavelmente muitos recusariam por os considerarem perigosos ou perdidos”, caracteriza.
“É um grande advogado, muito inteligente e culto. Um homem de causas”, classifica José João Abrantes, presidente do Tribunal Constitucional e também parceiro de curso de Garcia Pereira, “uma honra tê-lo como amigo” há mais de meio século. “A sua coerência, dignidade e firmeza na intransigente defesa dos seus ideais nunca o impediram de respeitar todos os outros, mesmo e, porventura, até sobretudo, aqueles que têm posições opostas às suas”, acrescenta.
Emociona-se com relatos que ouve de situações que lhe acabam em mãos. “Se acreditar na causa de um cliente, é capaz de aceitar esse caso mesmo não sabendo se a pessoa lhe poderá pagar. Há nele um lado de João Semana”, define Ana Gomes. “Quando nos identificamos cívica e politicamente, temos a obrigação de erguer a voz. E é isso que tento fazer”, completa Garcia Pereira.
Casado, dos quatro filhos apenas um, a advogada Rita Garcia Pereira, está ligado à Justiça. “Num momento de lucidez, nenhum dos outros quis seguir os meus passos”, brinca. Lamenta a falta de tempo para fazer tudo o que imagina e projeta. “Gostava de ter dias de 48 horas”, sonha.
Todos os verões voa até até Porto Santo e navega a bordo da sua pequena lancha nos intervalos de percorrer a ilha ao volante de uma Renault 4L que guarda como relíquia. Também mantém ligação umbilical ao Sporting desde a primeira vez que foi a Alvalade, tinha seis anos, pela mão de um primo do pai. “É raro ir ao estádio, mas continuo a vibrar com o clube. Estive no Marquês a festejar o último título”, diz o advogado que recusa dizer não a quem vê os seus direitos ofendidos. “Pauta a vida por valores humanistas e solidários de que não abdica e pelos quais luta intransigentemente”, resume José João Abrantes.
Cargo: advogado
Nascimento: 14/11/1952 (71 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Lisboa)