Valter Hugo Mãe

Fundação Livraria Lello


Rubrica "Cidadania Impura", de Valter Hugo Mãe.

Com tanto que as cidades europeias se repensam, o Porto, como Lisboa, segue a voraz tendência para se abeirar do futuro, eventualmente compensando-se de décadas em que se viu estagnar, cidade paciente e demorada onde tanto se resiste e tanto se sente no esquecimento do poder nacional.

Continuo a bradar pelo brio das grandes empresas do Norte para que se manifestem na criação de estruturas que tragam à região oportunidades e sonhos, conhecimento e identidade, de modo a sedimentar quem somos mas, sobretudo, a favorecer quem podemos passar a ser. A concentração em Lisboa acontece inelutavelmente e não vejo como haverá de produzir justiça com o resto do país. Assim, julgo que está sobretudo nas mãos de quem quer um país maior do que uma capital o esforço de estender o território de maravilhas que a todos deve servir.

A Fundação Livraria Lello acaba de abrir as suas portas ao público. Recuperando o antigo, monumental, mosteiro de Leça do Balio, com uma intervenção irrepreensível da autoria de Álvaro Siza, a Lello oferece hoje mais um lugar de excelência onde se esperam os mais inspiradores encontros.

A Livraria Lello soube entender o tempo e tem sido pioneira na transformação do Porto numa plataforma de oportunidades, catalisando criadores e público, erguendo ao centro da cidade uma acção de orgulho e qualidade. Se a actualidade convida o mundo a conhecer-se, é fundamental que nos preparemos para essa movimentação massiva. Nenhum de nós quer ser impedido de sair, teremos também de aceitar quem queira entrar. As cidades de hoje precisam de encontrar modos de resistir na sua identidade mas também de receber quem visita.

A Lello é o projecto perfeito de conservação e avanço. A Lello é memória, identidade. Tem sabido diagnosticar o tempo e agarrar-se ao futuro, assim como tudo quanto defende é inventor de identidade e auto-estima, é guardador de património e promotor das artes e do conhecimento. De facto, a receita não podia ser mais límpida e brilhante. Não podia ser mais respeitosa para a região e para o país. Pessoalmente, quero ver a Lello crescer. Quero que seja tão evidente sua pertinência e glória que outras estruturas privadas se atirem no mesmo destino de tornar o Norte e o país numa região de resistência e capacidade, de memória e indústria de futuro de um Portugal que sabe abrir-se ao Mundo.

Todos rumo a Leça do Balio. As portas abriram. Há uma exposição com curadoria de Eduardo e Sofia Aires. Lutar contra a desinformação é o fito do ano corrente. A Lello aponta caminhos.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)