Filipa Urbano Calvão. A fada dos alunos que deu aulas a Montenegro

A nova presidente do Tribunal de Contas destacou-se à frente da Comissão Nacional de Proteção de Dados. Docente universitária, enche auditórios e deixa marca forte a quem lhe passa pelas mãos.

Quando há três décadas foi professora de Luís Montenegro, na Universidade Católica do Porto, Filipa Urbano Calvão não imaginaria que o seu jovem aluno seria primeiro-ministro quando ela se tornasse a primeira mulher presidente do Tribunal de Contas (TdC). Marcelo Rebelo de Sousa nomeou-a, sob proposta do Governo, a 27 de setembro, precisamente no mesmo dia em que fez saber que Amadeu Guerra seria o próximo procurador-geral da República.

Ao suceder a José Tavares, Filipa Urbano Calvão coloca um ponto final de pleno domínio masculino à frente do TdC, órgão fiscalizador criado em 1849 por decisão do então presidente do Conselho de Ministros (líder do Governo), Costa Cabral, era D. Maria II rainha de Portugal, elevado à categoria de tribunal superior e de órgão de soberania pela Constituição de 1976, a primeira saída da democracia oferecida pelo 25 de Abril. Em 175 anos, o TdC teve 23 presidentes, todos homens, um deles Alfredo José de Sousa, entre 1995 e 2005, primo por afinidade da nova responsável. E pai de Constança Urbano de Sousa, ex-deputada do PS e ministra da Administração Interna entre 2015 e 2017, ano de duas terríveis vagas mortais de incêndios que levaram à sua demissão. É também sobrinha de um outro ex-ministro, igualmente da Administração Interna, João Calvão da Silva, falecido em 2018, que em 2015 participou no brevíssimo segundo Executivo de Pedro Passos Coelho (PSD/CDS-PP), durante menos de um mês.

Apesar das ligações familiares próximas à política ativa, Filipa Urbano Calvão nunca teve vida partidária nem fez parte de qualquer Governo. Nascida em Coimbra e tida como pessoa do centro a pender mais para a Esquerda do que para a Direita, foi no ensino universitário que fez predominantemente carreira, depois de ter sido das melhores alunas de sempre do curso de Direito da Escola do Porto (cidade que adotou como casa) da Universidade Católica. “Fez parte de uma turma de excelência, que deu quatro professores à Católica, um dos quais ela própria”, lembra o ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes, seu professor e hoje amigo. Convidada a lecionar quando terminou o curso, partilhou disciplinas com Paulo Rangel, atual ministro dos Negócios Estrangeiros.

“Chamávamos-lhe de fada do Direito Administrativo. Explicava matérias complexíssimas e de grande densidade com uma clareza, dinamismo e entusiasmo tais, que se tornavam fáceis e leves”, recorda Henrique Varino, antigo aluno. “Apesar de as aulas não serem de presença obrigatória, estavam sempre lotadas. Foi uma professora sempre acessível, de permanente sorriso na cara e bom humor. Nunca deixava uma dúvida por responder”, acrescenta Henrique Varino.

Simultaneamente à carreira docente, Filipa Urbano Calvão aperfeiçoou o percurso académico na Universidade de Coimbra, onde concluiu o mestrado e o doutoramento, ambos em Ciências Jurídico-Políticas, respetivamente em 1997 e 2009. “É uma pessoa discreta, não particularmente exuberante dentro do contexto profissional. Destaca-se pela sua claríssima noção do que são a causa e o interesse público”, nota Azeredo Lopes.

Chamou a atenção geral quando esteve à frente da Comissão Nacional de Proteção de Dados, de 2012 a 2023. Deixou rasto pela coragem e mesmo inflexibilidade, nomeadamente na aplicação de pesadas coimas a instituições que entendeu violadoras da lei, como a Câmara Municipal de Lisboa, obrigada a desembolsar 1,2 milhões de euros por fornecer elementos à Embaixada da Rússia sobre cidadãos que participaram em manifestações contra o regime de Vladimir Putin.

De origens beirãs, Filipa Urbano Calvão herda um TdC que nos últimos quatro anos lidou, de acordo com a contabilidade feita pela Agência Lusa, com 10 365 processos de fiscalização prévia, 96 recusas de visto, 256 auditorias, 12 pareceres, 1490 verificações de contas e 48 julgamentos. “Vai respeitar a longa linhagem dos antecessores, mas colocar uma marca pessoal forte no seu trabalho”, prevê Azeredo Lopes sobre o que será o papel da mulher que já fez história, ao quebrar uma barreira de género centenária num órgão de soberania.

Cargo Presidente do Tribunal de Contas
Nascimento 31/12/1970 (53 anos)
Nacionalidade Portuguesa (Coimbra)