Joel Neto

É a economia, estúpido


Às primeiras horas da manhã, negoceio preços com uma fornecedora não muito mais experiente do que eu.
Digo:
— Para eu lhe comprar esta salada a trinta euros, oito doses, preciso de vender as doses a pelo menos sete euros. Já viu o que é cobrar sete euros por uma salada num lugar como este?
Replica ela:
— Bem, se vender por cinco, dá quarenta euros. Ainda são 30 por cento de lucro.
E eu:
— O problema é que não são. Dos dez euros que recolho, tenho de tirar desde logo uma parcela para os impostos. E, mesmo que não considere que ainda preciso de ajudar a pagar os ordenados do pessoal, incluindo Fisco, Segurança Social, seguros e medicina de trabalho, mais a renda do prédio, as contas da luz, da água e das comunicações, o HACCP, as desinfestações, o equipamento todo, as amortizações para fazer face às obsolescências do equipamento todo, etc., etc., etc., os produtos chegam aqui comprados mas por vender. O seu lucro está feito, claro. Agora, imagine que eu não vendo uma dose só. São menos cinco euros. Com tudo o que tenho de pagar, já estou a trabalhar por desporto, se é que não estou a ter prejuízo.
Porque tanto constitui a minha primeira grande aprendizagem como empresário: o busílis de um negócio não é o que se vende, mas aquilo que não se vende. Aí está o segredo. O que seria uma extraordinária curiosidade se não se desse o caso de acontecer o mesmo com tudo o que importa na vida.
Mesmo a literatura é muito mais sobre aquilo que não se escreve do que sobre aquilo que se escreve. Ela só se verifica, insisto, se um mesmo texto significar coisas diferentes para pessoas diferentes, até para a mesma pessoa que o leia em momentos diferentes da vida. E isso só é possível se ficarem espaços suficientes por preencher – espaços narrativos, filosóficos, estilísticos –, de modo que cada um os complete à sua própria maneira.
Como acontece com a música, por exemplo. Onde poderia chegar a música se não fossem as suas pausas, os seus silêncios? Até a música barroca é, em grande parte, sobre o facto de não haver um só silêncio. E a pintura – como percebê-la sem os espaços em branco? E a escultura? E o bailado? E o teatro? E o amor?
Ah, o amor. Quem não saiba que o amor é pelo menos tão alimentado pelo que não se faz, não se diz, não se ouve e nem sequer se pensa como pelo que se faz, diz, ouve e pensa – quem não sabe isso é porque nunca amou.
E agora eu tenho mais um instrumento ainda para explicá-lo ao Artur. Uma livraria-café numa ilha remota, onde também se podem comer refeições ligeiras – não é preciso mais do que isso para se perceber que até a pequena economia está cheia de potencial metafórico.