É um dos tumores mais comuns nos homens e ainda há muito estigma envolvido. Só em Portugal, todos os anos há cerca de seis mil novos casos. A mortalidade é alta, mas se for detetado numa fase inicial é possível viver bem depois da doença.
Era uma quinta-feira, oito da manhã, o médico estava à frente de José Graça, de olhos postos no computador. A dada altura disse-lhe: “Tenho aqui à minha frente um jovem de 63 anos que tem um tumor da próstata”. José sentiu o chão fugir-lhe dos pés, o choque foi tão avassalador que, depois da consulta, se lembra de andar uns 15 minutos pelo hospital para conseguir encontrar a saída. “E se alguém olhou para mim, viu-me lágrimas nos olhos, não tenho vergonha de o dizer. Pensamos sempre que não nos acontece a nós, que só acontece aos outros.” Já lá vão dez anos, mas continua a recordar aquele dia como se tivesse sido ontem. Conta 73 anos hoje, e está vivo, garante, à custa daquele diagnóstico.
Mas rebobinemos a história. O irmão já tinha passado por um cancro da próstata e, porque os fatores genéticos pesam nesta doença, José começou a fazer com frequência o PSA (análise ao sangue que mede os níveis de uma proteína produzida pela próstata que aumenta no cancro da próstata, mas também noutras condições benignas como a hiperplasia benigna da próstata), mesmo não tendo qualquer sintoma. Até que o PSA subiu, várias possibilidades em cima da mesa, exames e mais exames, ecografias, ressonâncias magnéticas e, por fim, uma biópsia que viria a confirmar o mais assustador dos diagnósticos. Era julho de 2014, felizmente o cancro não estava metastizado. Com a aflição, José não quis esperar, a recomendação era a cirurgia, procurou um hospital privado, em setembro já estava a ser operado. “No meu caso optaram por me tirar a próstata. Era uma cirurgia robótica, feita por um médico com a ajuda de um robô, para aumentar a precisão. Mas tem sempre riscos. A próstata tem o tamanho de uma noz e há muitos nervos ali à volta que podem ser lesados. Uma das perguntas que fiz foi se podia ficar incontinente ou com disfunção erétil, o médico disse-me que sim. Na verdade, esse é o maior estigma que existe à volta deste cancro. Só que entre ficar com esses problemas ou morrer, escolhi avançar.”
Nada do que temia se concretizou, correu bem, não ficou com mazelas, hoje faz uma vida “perfeitamente normal”, faz caminhadas todos os dias, ainda se juntou à Associação Portuguesa de Doentes da Próstata (APDP), de que é atualmente vice-presidente, numa espécie de missão. Essa foi, aliás, a primeira coisa que fez depois do diagnóstico. “Em vez de ir ao doutor Google, procurei ver se havia alguma associação de doentes e inscrevi-me como sócio na altura.” Agora, tenta sensibilizar homens para o tema, para fazerem exames, para a importância do diagnóstico precoce, quanto mais cedo for detetado, melhores os resultados dos tratamentos. Uma das lutas da APDP é a instituição de um rastreio para o cancro da próstata em Portugal – há uma diretiva europeia para isso, mas o SNS ainda não avançou. Apesar de tudo, já há muito mais conhecimento, assegura, “fala-se mais no assunto”, prova disso é que a associação tem recebido pedidos de grandes empresas para fazer sessões de sensibilização junto dos seus funcionários. O tabu continua a existir, é certo, associado à incontinência urinária, à disfunção erétil, consequências dos tratamentos, e também ao muito temido toque retal, um dos exames que podem ajudar a chegar ao diagnóstico. “Tem de se desconstruir isso. As mulheres começam a falar das questões da mama e do útero desde muito jovens, os homens começam a falar da próstata aos 50 anos. E mesmo assim, muitas vezes são as esposas a contactar a linha de apoio da APDP, porque eles têm vergonha.”
Segundo Rui Dinis, médico oncologista, “há falta de consciencialização sobre a saúde masculina, não só no cancro da próstata”. É a relutância em demonstrar vulnerabilidade, diz, e, quando se tratam de problemas relacionados com a sexualidade ou órgãos reprodutivos, a dificuldade em admitir a doença é ainda maior. “O que contribui para que muitos homens adiem a procura de ajuda a tempo de se curarem.” Novembro é o mês de sensibilização para o cancro da próstata. Vamos a números. Todos os anos são diagnosticados seis mil novos casos e morrem aproximadamente dois mil homens, uma mortalidade alta que se deve essencialmente à falta de rastreio regular e à deteção em estádio avançado. A grande questão é que este é um tumor silencioso e lento, no início é muito invulgar haver sintomas. “No entanto, numa fase mais avançada podem surgir dificuldade em urinar, vontade frequente de urinar, especialmente durante a noite, desconforto ao urinar, presença de sangue na urina ou no sémen, dor ao ejacular, dor na zona pélvica, costas, ancas ou coxas e disfunção erétil, assim como, se muito metastizado, sintomas gerais como perda de peso ou fadiga sem explicação”, explica Rui Dinis, embora estes sintomas não sejam específicos de cancro da próstata e possam indiciar outros problemas benignos. Aqui, há um dado importante para o qual Diogo Nunes Carneiro, urologista, chama a atenção: “Muitas vezes as pessoas ficam muito preocupadas quando há crescimento da próstata e é detetada doença benigna, mas o que sabemos é que a doença benigna da próstata não degenera em cancro”.
Voltemos, pois, aos sintomas. Por ser silencioso, refere ainda o urologista, é que este tumor “na altura em que dá sintomas já é difícil de tratar de forma eficaz”. Daí a importância de fazer exames. O mais importante e simples é o PSA, que deve ser feito a partir dos 50 anos. “E a partir dos 45 anos para homens com história familiar de cancro da próstata (pai ou irmão) ou para homens de origem africana, cujo risco é superior a 25%”, frisa o oncologista Rui Dinis. Outro exame é o toque retal, “que permite identificar anomalias como endurecimento ou nódulos”, mas, e importa sublinhar, quando há suspeitas a avaliação é sobretudo feita por ressonância magnética. Depois vem a biópsia, “que é um exame invasivo e há homens que recusam, embora seja raro”, acrescenta Diogo Nunes Carneiro.
A verdade é que, quando é diagnosticado precocemente, o tumor geralmente está confinado à próstata e não se espalhou ainda para outras partes do corpo, o que significa não só maiores taxas de cura, como também menos efeitos secundários nos tratamentos, que tipicamente na fase inicial da doença são mais curtos. E sim, tal como José Graça contava, a disfunção erétil é um efeito colateral potencial das terapêuticas para este cancro, especialmente da cirurgia ou radioterapia. A incontinência urinária é outro, particularmente após a cirurgia. Diogo Nunes Carneiro traduz as probabilidades em números. “No caso da cirurgia, o risco de impotência ronda os 80% e de incontinência urinária os 10%. O doente tem de estar preparado.”
Mas no que toca às terapêuticas, as hipóteses são muitas. De acordo com o oncologista Rui Dinis, depende do estádio e da agressividade biológica da doença, também da saúde geral do paciente. Além da cirurgia (aberta ou robótica) e da radioterapia, pode passar por terapias focais, para doentes selecionados e menos estudadas mas com menos efeitos laterais, ou por terapia hormonal, para bloquear a produção de testosterona e assim impedir o crescimento do cancro. Há até situações, aponta o urologista Diogo Nunes Carneiro, “em que a doença está numa fase tão inicial e em que podemos simplesmente vigiar ativamente até que evolua”, até para não se estar “a impor tratamentos que têm efeitos colaterais e que não se justificam no imediato”.
Há uma certeza, a de que é possível ter muita qualidade de vida num pós-cancro da próstata. Rui Dinis diz mais, “as taxas de sobrevivência para o cancro da próstata localizado (confinado à próstata) ou localmente avançado são muito elevadas”. Mas “também numa fase avançada os tratamentos sistémicos se tornaram mais eficazes e menos tóxicos”. Sendo que “os homens que tiveram cancro da próstata precisarão de continuar a fazer exames regulares de PSA para garantir que o cancro não recidiva”. José Graça sabe disso. “Há quem diga que ao fim de dez anos há uma cura, mas se me perguntar se me sinto curado, digo-lhe que não. Vou continuar a vigiar.”