Da literatura
Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.
Havia umas leggings às listas amarelas, traçadas na horizontal. Um casaco com capuz azul-claro – um pequeno hoodie, um minúsculo e adorável hoodie -, igualzinho àqueles que nós próprios usávamos há 30 ou 40 anos (até no ano passado). Havia uma camisola hippie, verde-água matizado, cujos colarinhos enrolavam como os de um velho lobo-do-mar. Um macacão cinzento-escuro, todo liso, que eu lhe vestia em todas as circunstâncias que podia.
Havia tanta coisa: tanta coisa que o Artur vestia e já não veste. Ainda hoje, primeiro dia do ano em que fez sentido uma criança pequena usar roupa de Verão, eu tentei vestir-lhe um body de manga curta e, enfiados a custo braços e pernas nos respectivos orifícios, não consegui apertar-lhe os botões. Para onde foi isso tudo agora?
Quem lhe vestia leggings era a mãe, note-se: a mim leggings parece-me sempre roupa de trazer por casa num dia depressivo. Em geral, era a Marta que o vestia (por um lado) cheio de cores e desenhos e (por outro) com roupa prática, de modo a tornar o dia dele o menos desconfortável possível. Eu tenho mais tendência para o trajar como um pequeno homem, um pequeno homem sério, com roupas escuras, lisas, sem marcas à vista, combinadas com as outras e com os sapatos.
Mas, recordando agora essas peças, todas elas contam a mesma história. Quanta literatura não há nas roupas que deixam de servir a um bebé? Quantos significados não se concentram no momento em que tentamos vestir-lhe uma camisola, ou enfiar-lhe umas calças, ou calçar-lhe uns sapatos e, de repente, eles já não servem, o corpo dele mudou, já não o mesmo bebé, se calhar já nem é um bebé?
(E agora lembrei-me daqueles ténis New Balance que os Pestanas ofereceram, e que lhe davam um estilo a que ninguém ficava indiferente. Que pena os pés dele terem deixado de caber naqueles ténis. Deviam vir com um mecanismo retráctil qualquer, os ténis bonitos de criança – ou então poderem ser trocados na loja, sempre que o bebé deixasse de conseguir calçá-los.)
Não vamos musealizar nada disto. Guardamos uma parte, a pensar num eventual irmão (“O pai não se cala com a menina”, ri-se a Marta num jantar descontraído entre amigos), e o resto distribuímos, da mesma maneira que beneficiámos daqueles que distribuíram antes de nós. Mas, ao mesmo tempo, cada peça que pomos de lado, para oferecer ao próximo casal de súbito soterrado em custos e em necessidades, parece esforçar-se por confirmar a banalidade que todos os pais repetiram, e para que muito nos agradaria encontrar oposição: “É tudo num instante.”
O que vale é que a menina vai adorar ter umas New Balance azuis.