Jorge Manuel Lopes

Dá-lhe com a alma


Há géneros musicais que são orgulhosas amálgamas e extrapolações de outros sons que já circulam no ar. AUK soul é um desses casos: a expressão circula, pelo menos, desde os anos 1980, graças a Sade e Soul II Soul, entre outros, mas é na década em curso que tem adquirido mais massa crítica, mais produção, uma identidade mais solidificada. A soul com raízes no Reino Unido distingue-se com relativa facilidade – tem a agilidade e o colorido pop daquelas ilhas e uma relação não reverencial com o jazz, assimila a soul americana, a densidade dos graves das Caraíbas, a intrincada leveza da modernidade digital dançável africana.

A juntar a autores e intérpretes como Ego Ella May, Jorja Smith, Cleo Sol, os Sault ou Michael Kiwanuka, eis Jaz Karis. Cantora e compositora londrina, passou em criança por coros de igreja, frequentando depois a BRIT School, instituição pública de artes performativas que já teve como alunos Adele, Amy Winehouse, FKA Twigs, Katy B e Leona Lewis. A estreia nos discos ocorreu em 2017, mas é com “Safe flight” (Carmen/MNRK) que chega aos álbuns. E que álbum.

Do rol UK soul acima mencionado, Jaz Karis possuirá a maior bagagem estética americana. “LYTM” tem vapores gospel, e tudo flui com leveza, sem tocar no chão. O sol que atravessa “Sunset Blvd” é completamente californiano, absolutamente r&b. Não menos r&b, mas com andamento e ambiente noturnos, “Talk about it” e “2242” evocam Kehlani. “Met you at a bar” acrescenta neo soul e hip-hop ao preparado.

Mas neste álbum, justificando o título, viaja-se. A guitarra acústica que se esgueira para a agridoce “Chill on me” carrega Mediterrâneo (e, sim, Sade). “Tequila” é um dos momentos grandes deste ano, a felicidade de um novo amor em forma de canção, baixo serpenteante, comentários de saxofone. O embalo morno, a suavidade e o abraço dançável, a céu aberto, têm as qualidades que caracterizam o amapiano, género musical com alicerces no house nascido nos anos 2010 na África do Sul e a melhor coisa que aconteceu às pistas de dança em muito tempo (o amapiano reincide num pôr do sol chamado “Sims Castaway”). A arte de Jaz Karis é de classe executiva.