O Consultório de Sustentabilidade.
Para onde vai o dinheiro extra que pagamos para compensar as emissões de um voo?
Nuno Bastos
Pagar meia dúzia de euros para compensar o impacto dos voos das férias parece fácil demais? É porque é. A aviação é responsável por quase 3% das emissões globais anuais. As companhias aéreas usam mecanismos voluntários de compensação de emissões que se tornarão obrigatórios em 2027. Desde que este modelo de compensação existe, as emissões da aviação têm aumentado 4 a 5% por ano.
Na maioria das marcações de voos existe a opção de pagar um extra que a empresa promete investir em compensação de carbono. Os projetos financiados por estas contribuições, ou se dedicam à redução de emissões por parte de outras empresas e pessoas – como, por exemplo, a distribuição de fogões eficientes em países do Sul –, ou ao sequestro desses gases, sobretudo com projetos de reflorestação, sendo as árvores capazes de “inspirar” CO2 e retê-lo em si mesmas e nos solos.
Apesar de este esquema ser capaz de transferir riqueza dos países mais ricos para os mais pobres de forma rápida, eficaz e que contribui para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, a capacidade de reduzir ou compensar as emissões geradas por quem paga para poluir é inadequada e insignificante. A Science-Based Targets (SBTi) publicou em julho um relatório que conclui que “os esquemas de compensação são ineficazes no alcance dos resultados de mitigação pretendidos” e alerta para o risco de “potenciais efeitos não intencionais que impeçam a transição para a neutralidade carbónica e/ou reduzam o financiamento climático”.
Há um crescente consenso científico sobre a grande maioria dos programas de compensação de carbono sobrestimarem os seus efeitos ou não funcionarem de todo: mais de 90% das iniciativas da Verra (maior certificadora de compensações de carbono em floresta tropical) não obtiveram qualquer redução de emissões, 72% dos esquemas de compensação do Mundo causaram danos aos povos indígenas e às comunidades locais, 43% sobrestimaram os impactos positivos, 15% competiram com a produção de alimentos e 8% utilizaram terrenos ilegalmente (The Guardian e Carbon Brief, 2023); além disso, os esquemas de compensação baseados na natureza são pouco fiáveis em emergência climática, por ser cada vez mais difícil impedir que uma floresta arda antes de as árvores atingirem a capacidade média de armazenamento de carbono (entre os 15 e os 35 anos de idade), emitindo mais CO2 do que sequestraram, sendo que os cálculos da maioria dos projetos assumem que as florestas sobreviverão um século. Mesmo no melhor dos cenários, a compensação não atua com rapidez suficiente, tendo em conta o crescimento da aviação nos últimos anos, o crescimento contínuo previsto e o tempo limitado disponível para reverter a crise climática.
Apesar de haver projetos valiosos a serem financiados por estes esquemas, as compensações de carbono não são a forma mais eficaz nem mais honesta de o fazer acontecer. São, aliás, capazes de piorar a crise climática, por estarem a ser usadas como justificação para atrasar a descarbonização e o decrescimento do setor.
Enquanto passageiros, podemos voar menos, calcular o custo de carbono dos voos e doar o equivalente a uma causa que verificámos diretamente, e juntarmo-nos a coletivos contra o crescimento da aviação e pelo investimento na ferrovia, como a ATERRA e a Stay Grounded.
*A NM tem um espaço para questões dos leitores nas áreas de Direito, Jardinagem, Saúde, Finanças Pessoais, Sustentabilidade e Sexualidade. As perguntas para o Consultório devem ser enviadas para o email [email protected]