Casas que são um sonho de Natal

Parecem aldeias natalícias em ponto minimal, mas são, na verdade, obra do trabalho de famílias que, em nome da paixão pela quadra, dedicam horas sem fim a engalanar a casa. Daí nascem cenários mágicos. E visitantes que percorrem muitos quilómetros para os ver.

Na grande casa da família Flores, em São João da Madeira, a decoração exímia de Natal há muito é requisito da quadra. Carlota Lima, filha de Flores dos Santos Leite e Maria José Santos, tem hoje 64 anos, mas lembra-se de ser garotinha e já ver o lar todo engalanado em tons de Natal. “Depois, connosco, há para aí 40 anos, começou a ser um bocadinho mais a sério.” A expressão não traduz a espetacularidade das decorações. Na parte da frente da casa, em cima, há uma espécie de carrinha pick-up com o Pai Natal e seus ajudantes lá dentro, todos devidamente iluminados, para abrilhantarem a noite. Sobre a porta, um livro grande cujo título dá o mote às decorações deste ano: “Histórias Mágicas”. Portanto, cada uma das 13 janelas da casa está decorada com uma personagem da Disney, do Mickey à Minnie, da Bela e o Monstro ao pato Donald, do Pinóquio à Pequena Sereia. A ideia surgiu em outubro de 2023, depois de uma viagem à Disneyland Paris, e ficou a marinar lentamente no engenho da família, até porque para o Natal passado já havia temática definida. Todos os anos é assim, há um tema que dá o mote para toda a decoração exterior, e que é planeado com muita antecedência. Já foram as árvores de Natal, os Pais Natal, a história da Casinha de Chocolate, dos irmãos Grimm, ou a do Quebra-Nozes, que encheu a casa de soldadinhos de chumbo. O calendário está rigorosamente definido: o início dos trabalhos acontece sempre a 5 de setembro, data de aniversário de uma das netas de Carlota, e termina impreterivelmente a 23 de novembro, dia de anos da mãe, Maria José, em que todos se juntam para celebrar e ligar as luzes.

Entre uma data e outra, são mais de dois meses e meio de trabalho árduo, feito sobretudo à noite e aos fins de semana (tanto Carlota como o marido trabalham durante o dia), quantas vezes fora de horas. Durante anos, recorriam à madeira para fazer a maior parte das decorações. Mas de há uns tempos para cá passaram a preferir o roofmate, espécie de espuma rígida que habitualmente serve para isolar as paredes. Compram umas dezenas de placas, com 2,60 m x 60 cm, e a partir dali vão moldando as várias personagens (e, já agora, tentam sempre reaproveitar de uns anos para os outros). Depois, há que pintar tudo. “Normalmente, o meu marido desenha, corta e molda e depois passa para as minhas mãos, que a pintura é comigo. Aplico sempre um primário e uma tinta própria, para que não se estrague com a chuva.” Quanto à eletricidade, é responsabilidade de um dos filhos de Carlota. Além da decoração exterior, ainda há que tratar do hall de entrada da casa, que se transforma num verdadeiro sonho natalício. “Tiramos as coisas que habitualmente lá estão e fazemos uma aldeia de Natal, coberta de neve, com moinhos, carrosséis, uma pista de gelo, uma casinha de agricultores, este ano até temos um helicóptero.” E um comboio que vai circulando pela aldeia, qual toque de requinte num cenário idílico. Um trabalho hercúleo que, apesar de ser feito, em grande parte, por Carlota e o marido, envolve toda a família. “Acabo por ter ajuda de muita gente, desde as minhas netas aos meus primos, que às vezes ao fim de semana vêm do Porto para ajudar.” E se os garotos são os que mais exteriorizam o entusiasmo, os pais Flores também não escondem a alegria e o orgulho de ver a casa decorada com tamanha criatividade e classe. “Os meus pais gostam muito de ver, fazemo-lo pelas crianças, mas também por eles.”

Em São João da Madeira, há uma casa que há muitos anos dá nas vistas pela decoração criativa e requintada, que vai mudando de ano para ano. Desta vez, o tema são as “Histórias Mágicas” (Carlos Carneiro)

Depois, há as pequenas multidões que vêm de fora só para contemplar a mais bela casa de Natal da zona. “Vem muita gente ver, muitos miúdos sobretudo, muitas vezes até abrimos a porta para eles entrarem e poderem ver a aldeia de Natal.” Nas redondezas, o tema também está sempre presente. “A minha mãe vai todos os dias ao café e falam-lhe muito nisso – às vezes, muito tempo antes, já lhe estão a perguntar qual vai ser o tema.” Percalços também há, aqui e ali. Em tempos, eram os larápios, que volta e meia levavam uma ou outra decoração do exterior. Mas desde que puseram alarme o problema ficou resolvido. Já os efeitos das condições atmosféricas são mais difíceis de conter. “A preocupação maior é o vento, porque isto é tudo leve. Ainda há uns dias houve algumas coisas que foram pelo ar e tivemos de andar a fazer emendas e a reforçar, para não voar tão facilmente.” Mas nada que belisque a magia destes dias e a motivação para continuar a embelezar a “casa do Pai Natal”, como há muito lhe chama na terra. “Eu sou educadora, adoro bonecada e adoro o Natal. É isso que nos faz continuar.”

A casa das luzinhas

Joana Figueiredo, filha de Sérgio e Alcinda Figueiredo, donos de uma casa em Silgueiros (freguesia de Viseu) que é hoje ponto de visita obrigatório para centenas de pessoas, garante que o fascínio com as decorações natalícias “é uma maluqueira de toda a família”. “Quando era miúda dizia que não queria presentes, queria luzes, sempre foi algo que nos uniu e sempre me lembro de haver muitas luzes na casa dos meus pais. Mas assim nesta dimensão foi mais a partir de 2016. As pessoas começaram a vir visitar, começámos a dar entrevistas e desde então tem sido a loucura todos os anos.” Ao todo, são mais de 100 mil luzes, todas LED, sendo que, este ano, Joana estima que possam ficar perto das 150 mil. E depois há uma série de figuras e decorações alusivas ao Natal. Bolas, estrelas, um boneco de neve, um urso (insufláveis) e uns quantos mais. O essencial da decoração é mantido de um ano para o outro, mas há sempre apontamentos que gostam de ir mudando e refinando, até para surpreender quem os visita. “No ano passado, havia uma cadeira mágica, em que as pessoas podiam tirar fotografias, este ano vamos ter outra surpresa, mais dedicada aos pequeninos.” Mas “também dá para os adultos”, acrescenta Joana, a rir. E como boa surpresa que é, prefere, para já, não a revelar. A idealização da decoração é um trabalho conjunto, que vai sendo discutido ao longo do ano entre os quatro. O irmão, Rafael, é habitualmente quem pensa o projeto, sobretudo ao nível dos jogos de cores, Sérgio, o pai, é quem fica encarregue de tudo o que é serralharia e soldadura, a Joana compete mais o artesanato manual, a pintura, as colagens.

Já “A Casa Mágicas das Luzinhas”, em Silgueiros (Viseu), dá nas vistas pelas centenas de milhares de luzes que alumiam a terra. Joana Figueiredo, uma das “obreiras”, conta que há pessoas que viajam do Porto, de Lisboa e de Faro para a ver (DR)

É que à exceção dos insufláveis, necessariamente comprados em loja, os restantes elementos decorativos são feitos à mão, muitas vezes reaproveitando materiais que as pessoas já não querem. A tal “cadeira mágica”, por exemplo, nasceu de uma cadeira que alguém tinha deitado fora. “E o trabalho deste ano é com paletes reutilizáveis. Além de tentarmos sempre reaproveitar o material do ano anterior.” A questão da sustentabilidade sempre presente, portanto. A da próxima novidade também. “Nós costumamos dizer que somos doidos pelo Natal. Estamos a montar a iluminação deste ano e já estamos a pensar no que podemos melhorar para o ano. E mesmo no verão andamos sempre a ver imagens que nos dão ideias de coisas que podemos fazer.” Quanto à montagem, começa em setembro. Mas, nas semanas que antecedem o Natal, a azáfama é tal que tiram sempre uma semana de férias por esta altura, habitualmente a primeira de dezembro. Jornadas longas de trabalho, às vezes até às duas e três da manhã – o que, com o frio que se faz sentir em Viseu nesta altura do ano, não há de ser tarefa fácil -, plenamente compensadas com as reações que veem nas pequenas multidões que se juntam diante da “Casa Mágica das Luzinhas”, como lhe chamam. “Às vezes gosto de estar cá fora, de ver as reações das pessoas e de perceber quem nos visita. Vêm pessoas do Porto, de Lisboa, de Sintra, de Faro, às vezes até emigrantes que vivem no Luxemburgo, na Alemanha, na Suíça. Ficam maravilhadas, dizem-nos muitas vezes que é a casa mais linda que já viram, que a nossa dedicação é incrível, que já ganharam o dia, que ver a nossa casa vale mais do que um bom jantar.” Joana não faz ideia do número de pessoas que os visitam a cada Natal. Mas arrisca dizer que em certas noites há perto de 100 pessoas em volta da casa, a observar. “Ver a alegria das pessoas também nos dá força para continuar.”

Insufláveis de sotaque americano

No caso de Paula e Fernando Araújo, residentes em Guilhadeses e Santar, freguesia de Arcos de Valdevez, a motivação para, ano após ano, encherem a casa de luzes e insufláveis alusivos ao Natal, é semelhante: “Adoramos o Natal, é a nossa época preferida do ano desde sempre, adoramos ver os sorrisos das criança e ajudar a espalhar a magia do Natal e a despertar o espírito da quadra em quem passa na rua. Só saber que por verem a casa sorriram, já me faz feliz, já vale a pena todo o trabalho.” O casal viveu grande parte da vida nos EUA e já na América fazia questão de decorar a casa a preceito. Mas foi depois de voltar a Portugal, há seis anos, que começou a caprichar na missão. “Sempre gostámos muito desta época, mas agora estamos reformados, temos mais tempo”, explica Paula. Hoje, além de milhares de luzes, têm perto de uma centenas de insufláveis , sendo que, como a casa não tem dimensões ilimitadas, “só” cerca de 60 são expostos. Bonecos de neve, um Pai Natal gigante sentado na mítica poltrona, soldadinhos de chumbo, o Grinch (que, por sinal, é bem difícil encontrar), presépios, há de tudo um pouco. Todos eles têm uma ventoinha própria, que os mantém cheios, e, ponto curioso, todos vieram da América. “Andamos sempre a ver na Internet o que há de novo, normalmente depois do Natal as lojas põem tudo à venda em saldos, nós compramos e enviamos para a casa de amigos que lá vivem. Depois, mandamos vir num contentor. Se encomendássemos diretamente para Portugal, ficava muito mais caro.” Ainda assim, admite, têm “uns milhares de euros investidos em insufláveis”. Este ano, têm até uma cortina de luzes, que vai exibindo imagens natalícias em movimento. “Essa até mandámos vir diretamente para Portugal porque eu queria mesmo pôr já este ano.”

Na casa de Paula e Fernando Araújo, em Guilhadeses e Santar (Arcos de Valdevez), os ex-líbris são as dezenas de insufláveis, todos comprados online, em lojas dos Estados Unidos, onde ambos viveram durante décadas

Normalmente, começam a preparar tudo uma semana antes, no início de dezembro, mais coisa menos coisa. Mas o trabalho não termina no dia em que ligam as luzes – por regra, até dia 8. “Desde que não chova ou não haja vento, os insufláveis estão sempre ligados à noite. Quando chove, ou quando está muito vento, é que temos de os guardar, para não se estragarem, e ficam só as luzes. Além disso, requerem muita manutenção. Todos as noites, depois de os desligarmos, temos de dar tempo para esvaziarem, enrolá-los e protegê-los com sacos. Depois, no dia seguinte, tiramos dos sacos, estendemos, ligamos as ventoinhas e voltamos a pôr tudo no lugar.” Um ritual que, “com a prática”, lhes leva cerca de 45 minutos por dia. Dentro de casa, também não faz a coisa por menos. “Temos sete árvores de Natal, uma em cada divisão da casa e cada uma com um significado próprio.” Uma delas, por exemplo, tem fotos de todos os familiares que já partiram, outra tem “recuerdos” de muitas viagens que fizeram – e continuam a fazer – pelo Mundo. E ainda há a que faz as delícias dos sobrinhos mais pequenos: a dos chocolates. O pior é mesmo quando, após o Natal, chega a hora de desmontar tudo. “Custa sempre. Mas depois vamos recuperando a alegria durante o ano, quando vamos vendo coisas novas para comprar.”