Valter Hugo Mãe

Cansar os padres


Fui a Roma com uma amiga e acredito que cansámos os padres. Mas muitos e muito importantes, a começar pelo Papa. A ideia era entregar uma pequena lembrança de aniversário e talvez roubar um abraço, mas virou um convívio raro e um pouco inacreditável.

Sinto que atazanamos os padres com as nossas conversas. Quero dizer, nós, todas as pessoas não ligadas ao clero, porque nos dá uma ingenuidade qualquer que leva a polir gestos e palavras como se Deus estivesse perto, ou devesse estar. Os padres têm Deus preso por um atilho, como um balão. E ele flutua todo vidente interessado no que dizem e no que fazem. Os padres obrigam-se a uma virtude admirável e ficam contra a parede diante de quem os observa, porque quem os observa critica tudo, pensa tudo a partir de uma expectativa também muito preconceituosa.

Eu, que sou um crente sem explicação demasiada, procuro ser com os padres como sou com os carpinteiros, os professores ou os escritores. Mas sei que não consigo. Fico tão preocupado que chego a ver o balão de Deus, seus olhos doces mas gigantes a deitar sobre mim como se descobrisse finalmente quem sou, como me chamo. Com Deus, estamos sempre na primeira impressão. Todos são primeiros encontros porque tudo é absoluto, tudo pode ser fim e princípio do que afinal importa. Com Deus, tudo é sobre nascer ou morrer.

Ao fim de uns dias e mil padres, voltei com a sensação de ter estado criança por Roma, por cada canto do Vaticano, a comer pizas e hambúrgueres, a beber refrigerantes e à espera do panetone como se fosse também sagrado, modo de prece ou de companhia espiritual. A minha amiga, bem mais ajuizada, fez do deslumbre uma alegria sincera, limpa, fortuna para orgulho sem fim. Eu, com uma estima bizarra, cheio de alçapões onde temo encontrar o pior espelho, fiz do deslumbre a minha dúvida habitual. Sinto sempre que me portei mal. E estes dias são perfeitos para que nos portemos bem. São os mais perfeitos.

Volto com meus novos amuletos, onde estão livros em italiano que mal consigo ler. Mas adoro a ideia de guardar meus desenhos tolos aparecidos no espanto daqueles momentos. Serão meus amigos. Falarão comigo sobre a necessidade de ser mais e mais ao tamanho do que quero e não do que sei.