Diabetes, doenças neurodegenerativas, fígado, cancro: a ciência tem vindo a registar potenciais efeitos benéficos desta bebida em vários órgãos e no combate a certas doenças. Mas sim, há casos em que ela deve ser evitada. E há regras cruciais que não podem ser descuradas.
Há quem não viva sem ele e até jure que não consegue fazer o que quer que seja antes de lhe tomar o gosto. E há quem se dê francamente mal, quem comece a tremer, com palpitações, a ansiedade a disparar e o sono a ameaçar fugir. Ou até quem tenha de correr para a casa de banho assim que toma um – o que, convenhamos, em algumas situações, é tudo menos agradável. Talvez por isso, o café tenda, por vezes, a ser ainda algo “diabolizado”, como algo que faz mais mal do que bem. Porém, a ciência tem vindo a mostrar que essa perceção está, no mínimo, distorcida. Quer isto dizer que pode ser um aliado precioso? Pode. Mas também não quer dizer que o seja sempre. Feita a ressalva de que, também no que toca ao café, as generalizações são perigosas, prossigamos.
Primeiro, o que é? Responde Diana Picas Carvalho, nutricionista do Grupo Trofa Saúde. “É um energizante. O café contém cafeína, um composto químico que é um estimulante do sistema nervoso central. Daí que ajude a combater a sensação de fadiga e a aumentar os níveis de energia.” Nuno Sousa, professor catedrático da Escola de Medicina da Universidade do Minho e coordenador de uma equipa que tem produzido vários estudos sobre o café, publicados em revistas científicas de renome, bem o pode dizer.
Num deles, intitulado “Coffee consumption decreases the connectivity of the posterior Default Mode Network (DMN) at rest”, foram analisadas 83 ressonâncias magnéticas de pessoas que tomavam pelo menos um café por dia. Uma parte delas tomou cafeína diluída, outra uma chávena de café, e foi então avaliada a reação do cérebro, antes e depois da ingestão. Em ambos os grupos, diminuiu a conectividade da tal “default mode network”, uma região que se ativa em momentos de descanso passivo, que ocorrem quando entramos num modo introspetivo. O que mostra que a caféina deixa, de facto, as pessoas mais alerta.
O estudo chegou ainda a uma outra conclusão interessante: é que os efeitos não se produzem apenas pela cafeína per si. Prova disso é que o grupo que tomou a tal chávena de café sofreu também um impulso nas redes ligadas à atenção visual. Assim se prova que o café também “faz com que as pessoas fiquem mais atentas ao mundo externo”, realça o investigador. Seja pelo cheiro, pelo sabor, pelo próprio ato da toma.
Em suma, e com base neste e noutros estudos que a sua equipa tem conduzido, Nuno Sousa, que falou à “Notícias Magazine”, resume a questão assim. “O café tem basicamente dois impactos importantes no cérebro: por um lado, um efeito de ativação; por outro, um efeito de aumentar a nossa capacidade de estarmos preparados para a ação.” Parecem conceitos semelhantes, mas há diferenças: no primeiro caso, ficamos, no fundo, mais atentos a estímulos externos; no segundo, mais aptos a ativar ações apropriadas para o nosso dia a dia.
Outras conclusões dos estudos que têm vindo a ser conduzidas por esta equipa? Aqui ficam duas. Por um lado, um certo “favorecimento da atividade de regiões cerebrais mais relacionadas com processos cognitivos e de memória”. Após a ingestão de café, bem entendido. Por outro, o facto de os efeitos desta bebida serem mais notórios em “indivíduos que não estavam habituados a tomá-lo”.
Da Universidade do Minho para a comunidade científica no geral, muitas têm sido as relações benéficas estabelecidas. Desde a redução do risco de diabetes tipo 2 – dado que, segundo vários estudos realizados, o café promove um melhor metabolismo do açúcar e da insulina – à capacidade de proteger o cérebro contra doenças neurodegenerativas, como a doença de Parkinson ou de Alzheimer, passando pelo possível contributo para um fígado saudável (a investigação mostra que tanto o café como o descafeinado podem proteger este órgão, dado que as pessoas que os bebem têm maior probabilidade de registar níveis de enzimas hepáticas dentro dos intervalos considerados saudáveis).
A investigação tem também mostrado que pode ajudar a prevenir alguns tipos de cancro, como o oral, da próstata, do fígado e o colorretal. Além de diminuir o risco de insuficiência cardíaca, graças às suas propriedades diuréticas. Desde que tomado com moderação, claro. A premissa aplica-se, de resto, a todos os potenciais efeitos positivos anteriormente enunciados. Vale ainda a pena acrescentar que algumas destas possibilidades têm ainda de ser aprofundadas, para se perceber não só a real dimensão dos efeitos, como os mecanismos através dos quais ocorrem.
Depois, há outras vantagens que se prendem com a própria composição nutricional do café. Como lembra a nutricionista Diana Picas Carvalho, também aqui há vantagens no seu consumo. “Tem vários constituintes interessantes, como o magnésio, o potássio, os antioxidantes.” Além de vitaminas do complexo B. Acresce que não tem calorias – desde que não seja tomado com açúcar, natas ou outros que tais, um grande “não”, sublinha a especialista. De resto, em pessoas saudáveis e sem doenças ou problemas associados à sua ingestão, não desaconselha a sua toma. “Habitualmente recomendo um a dois cafés por dia.” Já a literatura aponta para um máximo de 400 gramas diários, o que pode ir até quatro chávenas.
Gonçalo Botelho, especialista em medicina geral e familiar, que se tem dedicado à medicina preventiva e funcional, é mais crítico. O próprio reconhece que tende mais a ver a “negatividade” desta bebida. Não do café em si, mas da cafeína. “Vai sempre interferir com dados recetores cerebrais, principalmente os de adenosina. “Além de se poder relacionar com palpitações, ansiedade, tremores, insónia, dores de cabeça, agravamento de problema de estômago, rigidez muscular e aumento da pressão arterial”, enuncia. Mas estes efeitos afetam apenas uma parte da população, note-se. Desde que, lá está, haja moderação.
O médico da Clínica Pilares de Saúde detalha esta questão. “O que a ciência tem vindo a mostrar, a propósito do porquê de a cafeína afetar determinadas pessoas de forma diferente, é que tem a ver, por um lado, com genes específicos da ansiedade e do sono e, por outro, com o processo de metabolização. Tendencialmente, os metabolizadores rápidos sentem menos efeitos, porque vão eliminar a cafeína do organismo mais rapidamente.” Mesmo no caso das pessoas que se dão bem, o médico entende que “dois cafés por dia é simultaneamente suficiente e o limite”. “Mais do que isso, o organismo começa a perder minerais importantes, por causa das suas propriedades diuréticas, e podemos entrar em défice.”
Depois, não menos importante, há a tão badalada questão do sono. Que vai além da típica insónia. Sabe aquelas pessoas que dizem que sempre tomaram café à noite porque dormem muito bem na mesma? A ciência mostra que há sempre um impacto, que mais não seja ao nível da redução do sono profundo. E que isso favorece o desenvolvimento de doenças neurodegenerativas. Também por isso Gonçalo recomenda que o último café seja tomado 10 horas antes do momento de dormir. E deixa um outro alerta. “Os cafés são das coisas mais carregadas de pesticidas que existe. É importante escolher um que seja orgânico e biológico.”