Filha de uma dona de casa e de um alfaiate, doceira de mão cheia, não tem medo de ir em frente. Sobretudo quando acaba de assumir “o desafio de uma vida”.
A Ana Valente que aos 14 anos se filiou na JSD é praticamente a mesma que aos 62 anos acaba de assumir a presidência da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ). A principal diferença é que em 1976 era a menina do avô e agora é a avó dos meninos. Naquela altura, quando não havia aulas, fossem fins de semana ou férias, seguia para Setúbal, para casa dos avós maternos. Agora, sempre que tem tempo livre, faz programas com os três netos que a filha, única, lhe deu.
“É exatamente a mesma pessoa: muito bem-disposta, amiga do seu amigo, extremamente altruísta, interessada pela política e que nunca despe a camisola do PSD.” O retrato é de Margarida Ramalho, amiga há meio século, quando se conheceram no Liceu Camões, em Lisboa, onde Ana foi presidente da associação de estudantes entre 1978 e 1979. “Continua a ser o que era: divertida, curiosa, empreendedora e com sentido de missão”, acrescenta António Rodrigues, deputado social-democrata na Assembleia da República, que convive com a jurista desde o início da década de 1980, depois de ter começado por fazer amizade com o marido.
Foi o avô materno, Manuel Pais, que acendeu a chama da política à até agora gestora da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), onde exercia funções na Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso, e vereadora (Oposição) na Câmara de Sintra. “Era um republicano convicto. A defesa da liberdade levou-o à prisão.” E foram esses princípios que a fizeram entrar na política e realizar trabalho autárquico durante três décadas. Sá Carneiro, Mário Soares (“embora discordando de muitas das suas opiniões”), Cavaco Silva e Passos Coelho são referências que não esquece, acreditando que Luís Montenegro “tem tudo” para trilhar o mesmo caminho.
Filha de uma dona de casa e de um alfaiate, confessa que teve “o privilégio de ser uma betinha”, mas, sublinha, sem nunca esquecer a outra realidade: “Sempre tive uma consciência social muitíssimo presente. Trabalho diariamente para termos um país melhor, em que a educação seja o elevador social, o fator-chave”. Na altura de escolher o curso superior, ainda pensou em seguir História, mas, como não se sentia fadada para ser professora, acabou por pender para Direito, “a paixão de sempre”, na Universidade Católica de Lisboa, onde, no coro do estabelecimento de ensino, iniciou uma experiência gratificante – “faz-nos perceber a importância do trabalho em equipa” – que acabaria por repetir noutros três agrupamentos até pouco depois do nascimento da filha. E onde continuou a ter a amiga Margarida como colega: “Já aí mostrava uma grande capacidade de trabalho, mas não recusava um bom convívio, uma cartada no bar ou uma saída à noite, na certeza que na manhã seguinte lá estava, pronta para arregaçar as mangas”.
Na semana passada, Rosário Palma Ramalho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, designou-a sucessora de Rosário Farmhouse na presidência da CNPDPCJ. “Conheço a ministra e sei que só escolheria uma pessoa competente, como é o caso”, diz António Rodrigues, que chegou a trabalhar com Ana Valente nas Pousadas da Juventude. “É mãe, é avó, trata-se de uma mulher sensível, que facilmente gera consensos e que encaixa como uma luva no cargo”, acrescenta Margarida Ramalho. E é “sem medo de ir em frente, como D. João II”, a sua figura histórica preferida, que Ana Valente abraça a nova missão. “Trata-se do desafio de uma vida. Foi o serviço mais nobre que alguma vez me propuseram. É um privilégio.”
Esta não é a primeira vez que a social-democrata interrompe o trabalho na AT. Entre 2013 e 2015, foi chefe de gabinete dos secretários de Estado do Emprego Pedro Roque e Octávio Oliveira nos XIX e XX Governos Constitucionais de Passos Coelho. “Com a troika em Portugal e o desemprego nos 18%, vivemos um período muito complicado, mas a doutora Ana Valente, com os seus grandes conhecimentos técnicos, a sua capacidade de diálogo e de relacionamento e o seu espírito de missão, facilitou muito as minhas funções”, recorda Octávio Oliveira, atual presidente do Instituto da Segurança Social.
Independentemente da função ou do cargo, Ana Valente – doceira de mão cheia que gosta de cozinhar, que se confessa teimosa e impulsiva e que se orgulha de ser empática, fiel e determinada – vai continuar a perpetuar a memória do avô, falecido quando ainda era adolescente, e a mimar os netos (já faz bolachas com o mais velho, de seis anos). É essa vida feliz que pretende ajudar a construir noutras famílias. E a ser, assim, avó de muitos mais meninos.
Cargo: Presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens
Nascimento: 26/03/1962 (62 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Lisboa)