
Corajoso, leal, discreto. Amadeu Guerra foi nomeado procurador-geral da República depois de ter investigado figuras como José Sócrates, Ricardo Espírito Santo ou Luís Filipe Vieira.
A decisão de Marcelo Rebelo de Sousa sobre o próximo procurador-geral da República (PGR) foi rápida e inusitada. “Tenho de ir comprar um bolo de anos e depois espero ter um nome”, afirmou, desconcertante, o chefe de Estado, horas antes de receber o primeiro-ministro em Belém. Garantido o bolo, ficou a saber pela boca de Luís Montenegro que a escolha do Governo recaíra em Amadeu Guerra. Aceitou-a de imediato e fez publicar oficialmente o nome. Não demoraram as reações, que logo se transformaram num raro momento de unanimidade na política portuguesa. Não houve um único partido representado na Assembleia da República que tivesse manifestado reservas. Pelo contrário, os elogios sucederam-se a um ritmo inesperado. Da Esquerda à Direita, de moderados a radicais.
De Amadeu Guerra, porém, nem uma palavra. Nada de surpreendente vindo de alguém que fez da discrição forma pública e profissional de atuação ao longo de quatro décadas e meia de atividade como procurador. Assim foi quando teve em mãos alguns dos mais mediáticos casos judiciais, como as operações Marquês, Fizz, Monte Branco, assim como a investigação ao desaparecimento de armas do paiol do quartel de Tancos ou ao BES. O futuro PGR nunca falou, a sua voz permaneceu uma incógnita. Mesmo quando outra das operações que encabeçou, a dos Vistos Gold, terminou com a absolvição do principal arguido, o ex-ministro da Administração Interna Miguel Macedo, contrariando as teses do Ministério Público.
“A discrição de Amadeu Guerra é uma qualidade, sem dúvida, mas não poderá transformar-se em não prestação de contas, como aconteceu com Lucília Gago”, avisa o advogado Garcia Pereira, que conhece “há muitos anos” o futuro PGR. “Uma pessoa tecnicamente competente e de trato afável”, define. E benfiquista, clubismo que não o impediu de autorizar a maior investigação judicial que recaiu sobre Luís Filipe Vieira, cuja detenção viria a conduzir à sua saída da presidência do emblema encarnado.
Filho de um militar da GNR, Amadeu Guerra nasceu em Tábua, na região da Beira Alta. Desde cedo que teve o curso de Direito como grande objetivo, o qual concluiu em Lisboa, embrenhando-se numa vasta carreira que o levou a ocupar posições de relevo, desde membro da Comissão Nacional de Proteção de Dados, de 1994 a 1996, a procurador-geral adjunto, passando pela internacional Instância Comum de Controlo da Europol.
Após a saída de Pinto Monteiro de PGR, em 2012, Amadeu Guerra terá sido abordado para o substituir. Recusou, recaindo a opção em Joana Marques Vidal, que o indicou para liderar o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e com quem chegou a entrar em litígio ao recusar uma ordem por ela emitida para que afastasse o procurador Rosário Teixeira, após terem sido excedidos os prazos para a acusação do processo que envolve o ex-primeiro-ministro José Sócrates. “Sinal de lealdade e de coragem”, afirmaram colegas. Tornou-se entretanto avô e deixou de jogar futebol com amigos com a regularidade de tantos anos. Mas continua, diz quem o sabe, a não dizer que não a uma boa refeição que tenha na comida tradicional portuguesa o foco do menu.
Em 2019, foi apontado procurador-distrital de Lisboa e um ano depois jubilou-se, após alguns meses afastado por baixa médica. Amadeu Guerra sai agora da reforma para tomar conta de uma Procuradoria-Geral da República que Lucília Gago transformou num barril de pólvora, tantas foram as polémicas, nomeadamente a que levou à demissão de António Costa, em novembro do ano passado. “Vamos assistir a menos dislates do que aos que temos assistido”, antecipa Garcia Pereira.
Será o mais velho PGR designado, facto desvalorizado pelo próprio presidente da República, para quem a idade não será um óbice ao exercício de funções, apesar de a lei dizer que os procuradores devem abandonar o cargo após cumprirem 70 anos. “Outros não o fizeram”, lembrou Marcelo, evocando o caso de Pinto Monteiro, que ultrapassou tal barreira etária ainda em funções.
Cargo Procurador-geral da República
Nascimento 09/01/1955 (69 anos)
Nacionalidade Portuguesa (Tábua)