Ainda se viaja com o trip hop
Será coincidência, esta avalanche de anos 1990 que vem batendo à porta? E não, não tem necessariamente a ver com o regresso dos Oasis aos concertos no próximo ano. Há duas semanas, escrevia-se nesta coluna sobre as frequentes provas de vida dadas pelo jungle/drum and bass a propósito do lançamento do álbum “Anemones”, da inglesa Xylitol. Desta vez, e sem sair das ilhas britânicas, a atenção vira-se para o trip hop, que também pairou sobre aquela década; uma nuvem narcótica que abarcava um espetro de estados de alma que podiam ir da beatitude flutuante à psicose, regra geral em câmara lenta, com inspiração no hip-hop instrumental, no jazz, no dub.
Há vapores trip hop atravessando “Lover, other” (Blue Flowers), o quarto álbum da cantora e compositora Rosie Lowe, nascida em Devon, no extremo sudoeste de Inglaterra. Mas, fazendo pandã com a elegância, complexidade e subtileza do género, são alusões sobretudo ambientais, e sem carregar no saudosismo, ao longo das 15 faixas: “Mood to make love”, com o seu aparente sample de contrabaixo em loop e a espessura sensual de orquestração e vozes; a primavera otimista das cordas e da linha de baixo que guia “Walk in the park”; os coros de murmúrios de “In the morning” e “Lay me”, que são como lençóis onde estamos mergulhados e que não tencionamos abandonar; “Out of you”, mais barroco, logo mais Portishead.
Mas há mais. Ao longo de “Lover, other”, o ouvinte depara-se com um desfile absorvente de estímulos musicais. Soul-pop despojada em “In my head”, não muito distante dos Sault. Batida robótica electro atualizada durante “Bezerk” e com requintes orquestrais em “Something”. Funk carnal e de baixa pulsação em “There goes the light” e “Gratitudes”. Tudo coerente, tudo no seu sítio. Por isso, este é um fio de temas que impressiona também pela aparente contradição: há uma cascata de ideias em exposição, mas nenhuma canção anda perto de derrapar para a balbúrdia. Muitos e bons ingredientes, mas usados com parcimónia e em combinações simples.