A estratégia dos ginásios para cativar clientes e combater o sedentarismo passa por incorporar jogos, realidade virtual, dispositivos vestíveis e até eletroestimulação. Pode soar a ironia, mas parece estar a funcionar. A saúde, agradece.
Dos fatos com eletroestimulação ao gaming, realidade virtual ou dispositivos vestíveis (wearables) que fornecem informação sobre o organismo, a prática de exercício físico está a reinventar-se através da tecnologia para cativar e manter praticantes. Os ginásios não poupam na criatividade e versatilidade para derrubar as desculpas de quem não larga o sofá, num país em que o sedentarismo é elevado.
Mais resultados em menos tempo. Esta foi a fórmula que convenceu Valéria Zacaroni a voltar a treinar no início deste ano. A analista financeira de 39 anos, a residir em Lisboa, garante que sempre teve preocupação com o bem-estar, mas não gostava de ginásios. Entre 2020 e 2022 ainda tentou os convencionais, mas atirou a toalha ao chão em 2023.
No arranque deste ano, voltou aos treinos com a TechBody, aproveitando a tecnologia de eletroestimulação que lhe permite “mais facilidade e rapidez nos treinos”. Quando chega ao estúdio, em Telheiras, Valéria veste um fato e, durante 25 minutos, faz um treino acompanhado por um profissional, que a vai orientado nos exercícios delineados no seu plano, enquanto recebe estímulos elétricos. “Não dói nada”, assegura.
Este fato, que também consegue medir, em tempo real, dados como composição corporal (proporção de água, músculo, gordura do corpo), medição da atividade muscular/consumo de calorias, frequência cardíaca e variabilidade da frequência cardíaca, foi configurado para ela. Os dados que vai registando são apresentados num ecrã, permitindo a Valéria Zacaroni acompanhar a evolução do treino. A informação é algo que “faz muita diferença”, diz. “Olho e sei se foi um bom treino, sei o resultado daquele esforço, dos exercícios que fiz.”
A satisfação com os ganhos obtidos é grande. Esta tecnologia, conta a analista financeira, “otimiza os movimentos”, pelo que, em pouco tempo, os resultados surgem como se o treino durasse muitas horas. “Em seis meses perdi cinco quilos de gordura e consegui transformar a aparência da pele em relação à celulite e à firmeza. Já treinei antes de forma convencional, e sei que em seis meses não teria conseguido estes resultados”, acrescenta, considerando que o recurso à tecnologia “veio mesmo ajudar”. “É como se eu treinasse muito mais tempo ali do que fico realmente”, completa, assegurando que não teria disponibilidade (nem vontade) para estar mais tempo num ginásio, pelo que voltar a um sistema mais convencional não está nos seus planos.
Luiz Santana, CEO do grupo TechBody Portugal, diz que a empresa “já nasceu tecnológica”, com o objetivo de “oferecer algo diferente”, algo “inovador e que facilitasse, que tirasse barreiras para as pessoas começarem a treinar”. “A nossa missão é tirar pessoas do sofá, combater o sedentarismo, que em Portugal é muito elevado”, com a taxa de penetração do fitness no país a rondar os 7%, abaixo da média da União Europeia. “Nós encontramos esta tecnologia, esta forma diferente de treinar, que elimina uma das barreiras que as pessoas dizem ter para a prática de exercício, que é o tempo.” O treino, refere ainda, é “mais eficiente e tem menos sobrecarga para o corpo, o que é importante para quem está a começar, tem alguma idade ou problemas de saúde, para não contrair lesões”.
Nos nove estúdios que o grupo tem em Lisboa e no Porto, são realizados cerca de quatro mil treinos por mês. Sente-se “muita procura”, afiança Luiz Santana, apontando que os associados são maioritariamente “mulheres dos 35 aos 40 anos”, que “não têm tempo para treinar e não gostam da atividade física, não gostam de estar num ginásio, de levantar peso”, mas sabem que o “exercício físico é fundamental”. Ao treinarem de forma eficaz por menos tempo, têm os benefícios para a saúde que procuram e também a disponibilidade “para a família, a profissão ou tarefas do dia a dia” das quais não abdicam.
Combater o sedentarismo
Entrevistas realizadas entre abril e maio de 2022 para o Eurobarómetro do Desporto e da Atividade Física, revelavam que, nessa altura, 73% das pessoas em Portugal não faziam exercício. Apenas 4% da população praticava regularmente exercício físico, 18% dizia exercitar-se com alguma regularidade e 5% raramente o fazia. Os sedentários eram, sobretudo, mulheres e pessoas com mais de 55 anos.
Mas, mesmo que os números do sedentarismo sejam elevados, a preocupação com a saúde e o bem-estar físico e psicológico tem “vindo a crescer, sobretudo após a pandemia de covid-19”, o que levou muitos a fazerem alterações no seu estilo de vida e comportamentos, explica César Oliveira, coordenador do mestrado em Fisiologia do Exercício e Promoção da Saúde do Instituto Politécnico de Viana do Castelo.
Os ginásios tentam diversificar as atividades, para cativar ou manter as pessoas motivadas para o exercício, acomodando “modas” e tecnologias que reflitam os possíveis interesses, motivações e necessidades das pessoas. Viu-se com o zumba, por exemplo, que mobilizou muitos para praticarem atividade física. Viu-se com aulas de grupo, que criam um “sentimento de grupo, de pertença. Viu-se com os modelos de custos baixos (low-cost).
Mas muitas das adaptações recentes dos ginásios incorporam tecnologia, um novo fator de atratividade. “Muitos já oferecem gamificação e a utilização de aparelhos que funcionam como se se tratasse de um jogo desportivo; realidade virtual que permite pedalar numa bicicleta estática enquanto no ecrã em frente passa um percurso da Volta a França, por exemplo; assistir a uma aula que está a ser promovida por um instrutor muito famoso noutra parte do Mundo. A tecnologia permite-nos formas de exercício e estimulação distintas e pode levar a que as pessoas tenham mais motivação para a prática de exercício em determinadas condições”, sublinha César Oliveira.
Uma ronda por alguns espaços em Portugal que estão a ganhar popularidade evidencia uma mudança no panorama do fitness. Há batidas musicais e iluminação que mudam consoante o ritmo dos exercícios, equipamentos que medem o resultado e atribuem uma pontuação, máquinas de musculação que se assemelham a jogos dos anos de 1980 ou 90, desafiando quem treina como se se tratasse de um jogo, treinos que parecem saídos de videojogos.
O grupo de ginásios Fitness UP é um exemplo desta aposta na tecnologia. Entre outras coisas, criou uma aplicação móvel (app) que permite aos alunos terem acesso ao plano de treino (imagens e vídeos de execução), ao registo da avaliação física e métricas para acompanhar a evolução, ao plano nutricional, pré-reservar aulas, saber a lotação do clube e muito mais. A app também dá alertas sobre a “probabilidade de desistência dos alunos para intervirmos antecipadamente”, explica o diretor técnico, Vítor Santos.
Existem, também, aulas virtuais e a UPtv, um site com centenas de aulas de grupo que os alunos conseguem fazer on-line, em casa, entre outros conteúdos exclusivos.
As novas tecnologias, explica César Oliveira, vão-se “incorporando nas atividades físicas” e no dia a dia das pessoas de uma forma “muito natural”. As pessoas passaram a “usar relógios desportivos que têm cada vez mais indicações e outros ‘wearables’ que recolhem dados, como a variabilidade cardíaca. E as pessoas adaptam o seu estilo de vida e comportamento em função do que estão a observar e das informações que obtêm”.
A eletroestimulação, “usada há muito em contexto de reabilitação e fisioterapia” é agora usada de “forma mais global, para ajudar a aumentar a atividade muscular”, adiciona. Conseguem-se ganhos, se usada corretamente e sem ilusões de um treino mágico. Sim, porque é mesmo preciso vestir o fato e mexer-se.
Suplementos para aumentar desempenho
Mas não se pense que Valéria Zacaroni, à semelhança de outros frequentadores de ginásios, não tem outros cuidados, nesta demanda por conseguir “não só um corpo bonito, mas, sobretudo, saúde”. “Bebo bastante água, tenho cuidado com a alimentação e, há dois meses, comecei a tomar suplementos de proteína e creatina. Tudo contribui”, assinala.
Segundo César Oliveira, os suplementos estão entre as tendências que têm vindo a ganhar adeptos. “São muito consumidos, com objetivos diferentes. Geralmente tem a ver com o aumento da performance, da massa muscular, para ter melhor qualidade de vida e mais longevidade”. Alguns destes produtos, alerta, “são eficazes, mas, em relação a outros, não há tantas evidências”.
Um estudo que analisou os padrões de consumo de suplementos alimentares e de alimentos desportivos numa amostra de frequentadores de ginásio em Portugal, levado a cabo por investigadores da Universidade Lusófona e recentemente publicado na revista “Journal of the International Society of Sports Nutrition”, revela que o consumo deste tipo de produtos é elevado entre quem frequenta um ginásio.
Para este trabalho foram entrevistados 303 frequentadores de ginásios da Área Metropolitana de Lisboa. Os resultados mostram que mais de 70% dos participantes utilizavam este tipo de produtos com o objetivo de complementar objetivos de treino e alimentação, sendo os homens os principais consumidores. As pessoas inquiridas, frisa a investigadora Cíntia Ferreira-Pêgo, do CBIOS – Centro de Investigação em Biociências e Tecnologias da Saúde, “estavam a tomar em média 1,6 suplementos alimentares”.
Os principais suplementos alimentares e alimentos para desportistas consumidos eram a proteína do soro do leite (conhecida como proteína Whey), a creatina e os multivitamínicos. O estudo indicia que o “padrão de consumo” está relacionado com fatores como o sexo biológico, a idade e a motivação de treino, já que os homens e indivíduos mais novos consumiram sobretudo produtos relacionados com o aumento da performance desportiva (proteína), enquanto as mulheres e os indivíduos mais velhos procuravam o bem-estar e saúde em geral (multivitamínicos).
O estudo, que representa um passo importante na compreensão dos comportamentos alimentares no contexto do fitness em Portugal, oferecendo dados para profissionais de saúde, treinadores e consumidores, serve também para lançar alguns avisos. É que, as principais fontes usadas pelos inquiridos para se informarem sobre estes produtos, consistiram na internet e amigos e o principal local de aquisição foram as lojas online.
Segundo os autores, ainda há um grande desconhecimento e os resultados reforçam a necessidade de uma maior consciencialização sobre o uso de suplementos alimentares, promovendo práticas que sejam seguras e benéficas para a saúde. Os suplementos “não são inócuos”, vinca Cíntia Ferreira-Pêgo, pelo que os consumidores devem aconselhar-se junto de profissionais de saúde ou de nutrição, para evitar riscos que decorram da eventual interação dos suplementos com medicação. É necessária uma “maior educação nutricional” para assegurar uma utilização adequada e segura destes produtos.