Jorge Manuel Lopes

A missa da meia-idade


Crítica musical, por Jorge Manuel Lopes.

Gravadas no decurso de uma década, as dez canções de “Lives outgrown” (Domino/Popstock), o terceiro álbum com o nome de Beth Gibbons na capa, apresentam-se como um documento do meio do tempo em que se costuma passar por este Planeta. Aquele período marcado por partidas e chegadas de quem nos é mais próximo e que, neste caso, também envolve o impacto da maternidade e da menopausa na vida da cantora e compositora inglesa. O disco marcará, assegura Gibbons, a chegada ao outro lado, o regresso a uma luz (mais ou menos brilhante, mais ou menos pálida) depois da travessia do túnel. Mas o que se recebe, por palavras e música, é quase só tristeza e desesperança.

Com produção partilhada com James Ford, mais uma ajuda do ex-Talk Talk Lee Harris, o som de “Lives outgrown” é, inevitavelmente, intimista. Aninhado a um palmo do ouvinte. Sente-se na pele, metaforicamente falando, o ar gerado pelo toque na bateria ou dedilhar das cordas. Há folk com arcos orquestrais modernistas, tátil, cinemático, por vezes a arranhar a epicidade (“Lost changes” é a prima fatalista de “Drive” dos R.E.M.), tridimensional mas perdida num nevoeiro sombrio e indigesto. A “Reaching out” é dado o luxo de ter um certo frémito, até uma surpreendente erupção de metais (reais ou virtuais), só lhe falta um esqueleto de canção a que se agarrar – um problema recorrente neste disco.

Só a espaços a música transcende o fosso existencial. “Floating on a moment” tem ímpeto, pungência, é uma canção que olha para a frente e para cima, lúcida. Irrompe em “Beyond the sun” um refrão fonético feito coro afirmativo, uma batida marcial, estilhaços de sons dissonantes. “Whispering love”, primaveril, a fechar, é o único momento palpável do prometido regresso a uma esperança diurna, entre uma viola dedilhada por ramos de árvores e, uma possível flauta a dar o leitmotiv melódico; até parece que um peso se levantou da voz de Beth Gibbons. Ainda assim, ficam as saudades da geometria digital e do sentido lúdico, mesmo que ténue, dos Portishead.